segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

A EPOPÉIA DO ACRE

Por: Roberto Gama e Filho Relembrando o passado Na manhã do dia 3 de fevereiro de 1878 o "gaiola" ANAJÁS, pertencente à "Companhia de Navegação do Amazonas", cruzou a foz e atracou no barranco do rio Aquiri, assim chamado pelos "Apurinãs", habitantes primitivos daquela região. O sítio, hoje denominado Boca do Acre, dista 2.422 milhas marítimas do porto de Belém, local de início da longa singradura fluvial. A distância em relação até Manaus, capital do estado do Amazonas, é de 1.497 milhas, sendo de 1.380 milhas o caminho percorrido desde a foz do rio Purus. Embarcado no "ANAJÁS", como afretador do navio, estava o bem sucedido seringalista João Gabriel de Carvalho e Melo, natural de Uruburetama, estado do Ceará, acompanhado de vários familiares, recentemente recrutados pelo parente próspero, e muitos trabalhadores, também cearenses, contratados pelo mesmo João Gabriel, para a extração do látex das seringueiras existentes na nova "colocação", selecionada desde 1874, por este cearense que pioneiramente se estabeleceu no importante afluente do Purus. No ano de 1857, João Gabriel, recém-chegado ao Purus, selecionara uma área vizinha a alguns lagos, em cujas margens viviam os "Jamamadís", que batizaram o local com o nome de "Tauariá" (409 milhas, rio acima, da foz do Purus). Durante anos a fio João Gabriel explorou os seringais nativos de Tauariá e prosperou muito, principalmente devido ao fato de lá permanecer ininterruptamente, sem "baixar" a Belém no "inverno". Nesse meio tempo teve como vizinhos o célebre Manoel Urbano da Encarnação, que antes de 1865 já havia subido por quatro vezes o Purus, em viagens de exploração, e o não menos famoso Antônio Labre, o primeiro a atravessar os "Campos Gerais do Puciarí", entre o Madeira e o Purus, para depois se fixar no trecho vizinho à boca do Ituxí, onde hoje se situa a cidade de Lábrea (786 milhas da foz do Purus). Agora, percebendo a fertilidade das terras a montante de "Tauariá", João Gabriel decidira mudar de pouso e, para tanto, já avisara à firma aviadora do Visconde de Santo Elias, para alterar o destino das suas mercadorias, antes despachadas para "Tauariá", agora para a nova exploração do Aquiri. Com a determinação para alterar o destino das suas cargas, João Gabriel de Carvalho e Melo foi o responsável, involuntário, pelo "batismo" das novas terras, situadas a sudoeste do estado do Amazonas, com o nome de "Acre". Os portugueses da firma aviadora, devido ao sotaque peculiar dos lusitanos, transformaram, por síncope, Aquiri em Acre. Vinte e quatro anos decorridos, no fim do primeiro semestre de 1902, chegou aos seringais do Acre a notícia de que a Bolívia arrendara para uma empresa estrangeira, companhia de carta do tipo usado para a "colonização da África", aqui denominada "Bolivian Syndicate", todas as terras que figuravam nos seus mapas antigos como "tierras non descubiertas". No seringal de João Galdino de Assis Marinho, aonde vinha demarcando as posses, o fato novo chegou aos ouvidos de José Plácido de Castro, que registrou no seu diário o seguinte comentário: "Veio-me à mente a idéia de que a pátria brasileira se ia desmembrar, pois a meu ver, aquilo não era mais do que um caminho que os Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando desde então a lhes franquear a navegação dos nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência por parte do Brasil ensejaria aos poderosos Estados Unidos o emprego da força e a nossa desgraça em breve estaria consumada. Guardei apressadamente a bússola de Casella, de que me estava servindo, abandonei as balisas e demais utensílios e saí no mesmo dia (23 de junho de 1902) para as margens do Acre". Imediatamente, dirigiram-se José Galdino de Assis Marinho e Plácido de Castro para "Bom Destino", seringal explorado por Joaquim Vitor da Silva, situado a 94 milhas a montante da Boca do Acre, já nos limites do atual estado do Acre. Joaquim Vitor da Silva, personagem esquecido pela História, foi, nada mais nada menos, o líder civil de um movimento, já em curso, que contestava a soberania boliviana sobre as terras ocupadas pelos brasileiros, na sua maioria cearenses retirantes da grande seca de 1877-1879. Aquele momento histórico, chegada de Plácido de Castro a "Bom Destino", marcou o encontro do chefe civil com o futuro chefe militar da bem sucedida "Revolução Acreana!". Origens Históricas. A questão acreana remontou ao "Tratado de Madrid", firmado em 13 de janeiro de 1750, quando portugueses e espanhóis acertaram algumas linhas gerais de procedimento para delimitar os limites das suas possessões na América do Sul, sendo de grande relevância a preferência que concederiam aos limites naturais. No texto do Tratado, contudo, foi combinado o lançamento de duas grandes retas para definir, de uma maneira geral, os limites na região amazônica: a primeira, ligando a foz do rio Jaurú à confluência dos rios Guaporé e Mamoré, a segunda da junção dos dois caudais até as nascentes do Javari, por cujas águas devia continuar a mesma fronteira até o Japurá e outros rios, de modo que todas as comunicações fluviais e lacustres do Amazonas com o Negro fossem asseguradas a Portugal. A simples leitura desses acertos retrata o desconhecimento da região, na época em que os dois países com eles concordaram. Em 1º de outubro de 1777, deu-se a assinatura de outro tratado entre Portugal e Espanha, o de "Santo Ildefonso", que muito bem justificou a disputa fronteiriça, ainda acirrada, entre os Estados do Brasil e da Bolívia. A fronteira, descreveu o Tratado, seria delimitada "pelos rios Guaporé e Mamoré até o ponto médio do Madeira e daí por uma linha leste-oeste, até encontrar a margem oriental do Javari". Já naquela ocasião, o conhecimento da região era bem maior do que na época do Tratado de Madrid. O rio Madeira fora explorado, com certo detalhe, por Francisco de Mello Palheta, em 1723. Nove anos depois, em 1742, Félix da Gama completou a extraordinária viagem do Mato Grosso até Belém, pesquisando os rios Mamoré, Guaporé e Madeira. Apesar dos dados recolhidos nessas expedições, e outras mais de menor relevância, persistia a mais completa ignorância sobre o espaço físico entre o Madeira e o Javari. Como o próprio texto do ajuste diplomático de "Santo Ildefonso" declarava a provisoriedade do traçado proposto, tanto portugueses, quanto espanhóis, trataram de torná-lo efetivo. Para tanto, os demarcadores espanhóis chegaram mesmo a fazer concessões aos portugueses, propondo o recuo do dito ponto médio do Madeira para a origem do mesmo rio, isto é, na confluência do Mamoré e do Beni. Todavia, os portugueses recusaram a proposta, por saberem de antemão que a linha geodésica lançada na direção leste-oeste jamais atingiria as nascentes do Javari. Depois de um arrefecimento das disputas fronteiriças, a Bolívia voltou à carga, em plena Guerra do Paraguai, insistindo no cumprimento das normas do Tratado de "Santo Ildefonso". Embora na defensiva, devido à delicadeza do momento, o governo brasileiro procurou conduzir as negociações com cautela, assinando em 27 de março de 1867, três meses antes da tomada da Fortaleza de Humaitá, pelo então Marquês de Caxias, o "Acordo de Ayacucho" que definiu a fronteira da seguinte maneira: "da foz do Beni para oeste, por uma reta tirada da margem esquerda, na latitude de 10º 20´ S, até encontrar as nascentes do rio Javari; se este tivesse as suas nascentes ao norte daquela linha leste-oeste, seguirá a fronteira deste mesmo ponto por uma reta a buscar a nascente principal do mesmo rio". Essa linha demarcatória, na realidade, soou como uma derrota para o Brasil, pois na mesma ocasião, aproveitando a frágil posição brasileira, o Peru também insistira na fixação dos seus limites com o Brasil e a comissão demarcadora fixou a posição da nascente do Javari no ponto determinado pelas coordenadas de 7º 01´ 17´´ S e 074º 08´27,7´´ W, considerando como manancial principal do Javari o rio Jaquirana e abandonando, a priori, os dois outros afluentes, Galvez e Paissandu. À vista desse precedente, o General José Pando, então chefe do lado boliviano da comissão mista instituída para a demarcação, insistiu para que fosse adotada a mesma posição geográfica acertada com o Peru, para a nascente do Javari. Contra essa proposta, aceita preliminarmente pela diplomacia brasileira, insurgiu-se o General Taumaturgo de Azevedo, por considerar que a aceitação dos termos bolivianos sancionaria oficialmente erros geográficos que subtrairiam parte do território nacional. Baseava-se a argumentação do General Taumaturgo tanto no fato de não ter sido devidamente determinada a nascente do Javari, como também pela imprecisão constatada na posição do marco do Madeira, cuja latitude correta era 10º 21´13,63´´ S. O competente General Taumaturgo, pois, zelava pela integridade territorial da pátria. O Ministro Carlos de Carvalho, das Relações Exteriores, admitiu a argumentação e propôs a sua aceitação à Bolívia. Com a recusa do governo boliviano, então, conformou-se com a situação! Se, por acaso, prosseguissem as demarcações, mediante o lançamento da linha geodésica que uniria a boca do Beni ao ponto determinado como nascente do Javari, essa delimitação, bem inclinada para o norte, transferiria para a Bolívia as terras mais nobres da Amazônia, eis que os solos da região ao sul do estado do Amazonas e os do estado do Acre são do tipo cambissolo eutrófico, de grande fertilidade natural. Daí a razão pela qual os seringais nativos da área produziam muito mais do que aqueles encontrados em outras paragens. Carlos de Carvalho foi substituído por Dionísio de Cerqueira que, embora provocando a saída do General Taumaturgo de Azevedo da Comissão Demarcadora, foi pressionado pelos elementos mais representativos do país, inclusive por membros proeminentes do Congresso Nacional, para adotar as ações por ele recomendadas. Em 25 de abril de 1898, o Ministério das Relações Exteriores expediu nota ao governo boliviano que decidira suspender os trabalhos em curso, provada como ficou a necessidade de retificação da nascente principal do Javari. Brecadas, pelo patriotismo do General Taumaturgo de Azevedo, as pretensões bolivianas, partiu o governo do país vizinho para outro tipo de ofensiva: pleiteou a instalação de repartições fiscais no Acre, em regiões sobre as quais alegava estarem definidos os seus direitos, não obstante a suspensão dos trabalhos de demarcação. Demonstrando posição vacilante, principalmente por desconhecer o que se passava na região em disputa, o Chanceler Dionísio Cerqueira concordou, em 23 de outubro de 1898, com a instalação de um posto alfandegário boliviano no rio Acre. Enquanto se desenrolavam tais episódios na área diplomática, a Bolívia, sorrateiramente, despachou para Londres o diplomata Felix Aramayo para tratar do arrendamento da área em disputa para uma "companhia de carta", com amplos poderes para explorar esses territórios, inclusive o de armar um Exército e uma Marinha! O contrato de arrendamento foi assinado em 11 de junho de 1901, data de criação do "Bolivian Syndicate", que começaria suas atividades com o capital de 5 milhões de dólares, incluindo entre os seus acionistas a "United States Rubber Company". O Congresso da Bolívia aprovou o contrato de arrendamento no dia 21 de dezembro de 1901. Ignorados pelo Governo do seu próprio país, entretanto, os acreanos já haviam iniciado a sua guerra particular! A OCUPAÇÃO DO SUDOESTE DA AMAZÔNIA. Uma observação de suma importância deve preceder qualquer relato sobre a ocupação do sudoeste da Amazônia: os bolivianos, que denominavam a região como "tierras non descubiertas", só apareceram no sudoeste da Amazônia a partir de 1899, depois da infeliz decisão do Chanceler Dionísio Cerqueira, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, permitindo que a Bolívia instalasse repartições alfandegárias no rio Acre. Escolheram eles, para iniciar a ocupação da região, o lugar hoje conhecido como Porto Acre, 85 milhas a montante da boca do rio Acre e 11 milhas a montante de Bom Destino, sede do seringal de Joaquim Vitor da Silva. Imediatamente, o lugar, localizado a umas 5 milhas da atual divisa entre o Acre e o Amazonas, foi batizado como "Puerto Alonso", referência ao Presidente da Bolívia, Don Severo Alonso. Embora despontando como pólo das atividades da Amazônia Ocidental, em 1879 Manaus ainda não atingira a ordem dos cinco mil habitantes. Entretanto, já em 1871 a riqueza vegetal das margens do Purus havia atraído para a bacia mais de 2.000 seringueiros. Fenômeno idêntico repetia-se na bacia do Juruá. Com a ocorrência de uma seca anormal no Ceará, ao longo dos anos de 1877, 1878 e 1879, o interior do Amazonas foi invadido pelos flagelados. Logo no ano de 1877, há registros da chegada de cerca de 15.000 cearenses à Amazônia, grande parte deles orientados para as bacias do Purus e do Juruá. No ano de 1878, a corrente emigratória superou a casa dos 50.000, mantendo-se constante nos anos seguintes, de modo tal que ainda em 1900 contou-se mais de 40.000 retirantes da seca recém-chegados à Amazônia.. O fluxo migratório, quase todo dirigido para o Amazonas povoou a região, principalmente aquelas áreas de solos férteis do sudoeste do estado. Embora não se tenha tido o cuidado de executar um recenseamento da população que vivia nos limites atuais de Acre, era fato sobejamente conhecido através das estatísticas oficiais do Amazonas, que de lá eram despachadas, no final do século, mais de 12 toneladas de borracha por safra, produção que sugere uma população de seringueiros, no mínimo, igual a 40.000, uma vez que a produção média "per capita" girava em torno de 300 quilogramas. Como nos seringais não viviam apenas os homens engajados na extração do "látex", mas ainda os seus familiares e pessoas engajadas em outros afazeres, pode-se muito bem estimar em 80.000 pessoas a população do Acre na época da instalação do posto alfandegário boliviano em "Puerto Alonso". Embora as autoridades do governo federal não se tenham apercebido da real situação das terras em disputa, ocupadas e exploradas por brasileiros, tudo indica que os bolivianos avaliaram bem o valor daquelas "tierras non descubiertas" e tomaram as devidas precauções para não perdê-las. Até aquela época, as mudas da "Hevea brasiliensis", selecionadas cuidadosamente pelo botânico inglês Richard Spruce, nos cinco anos que passou na Amazônia, e depois remetidas às escondidas para o "Jardim Botânico de Kew" da Inglaterra, no ano de 1876, por outro botânico inglês de nome Henry Wickman, ainda não tinham sido plantadas no sudeste da Ásia. Por esse motivo, a borracha proporcionou rendas excepcionais à Amazônia brasileira durante quatro décadas, de 1881 a 1920, tendo sido exportadas no período cerca de 1 milhão de toneladas de "pelas", em troca de uma receita superior a 300 milhões de libras esterlinas. Pois bem, mais de dois terços da produção de borracha da Amazônia, era proveniente das áreas de terras férteis do sudoeste da região, principalmente dos seringais acreanos. Então, a preocupação dos bolivianos não era infundada! Infundada, sim, era a despreocupação do governo federal, habitualmente desatento em relação à maior região natural do Brasil. O MANIFESTO ACREANO Os bolivianos chegaram a "Puerto Alonso", sob o comando de Don Jose Paravincini, Plenipotenciário da Bolívia no Rio de Janeiro, impondo logo uma série de tributos aos moradores do Acre: "imposto de importação de mercadorias", o imposto chamado de "capitação", e, um outro, incidente sobre a exportação de borracha. Instituídas as primeiras medidas de afirmação da nova soberania, retirou-se Paravincini para o Rio de Janeiro, deixando no seu lugar Don Moises Santivanez. Enquanto isso, a casa sede do seringal de Joaquim Vitor da Silva era palco de constantes reuniões, nas quais se discutia , não só, as medidas a adotar contra a invasão boliviana, mas, também, o procedimento em relação ao governo brasileiro, que vinha acolhendo as pretensões dos vizinhos. A primeira ação planejada pelo grupo ocorreu em 1º de maio de 1899, quando os conspiradores escalaram o advogado José Carvalho para comparecer perante o delegado da Bolívia, a fim de intimá-lo verbalmente a se retirar do território brasileiro. O teste funcionou, pois Don Moises Santivanez aceitou pacificamente a intimação, pedindo apenas que fosse ela feita por escrito. Foi atendido sem demora, sendo-lhe entregue um documento subscrito por todos os que acompanhavam o advogado, inclusive o seringalista Joaquim Vitor da Silva. Esse documento histórico, que marca o início da reação dos brasileiros radicados no Acre, terminava com a seguinte frase: "Estais intimado a retirardes o vosso governo desse território, o mais breve possível, porque esta é a vontade soberana e geral do povo deste município e de todo o povo brasileiro". Após a entrega da intimação escrita foi arriada a bandeira boliviana, do prédio da Alfândega, e, em seguida, os agentes da Bolívia de lá se retiraram, sem qualquer incidente. Evidente que, tanto os insurretos quanto a população acreana, passaram a aguardar o revide da Bolívia. Foi nessa ocasião, de nervosa expectativa, que apareceu no Acre o espanhol Luiz Galvez Rodrigues Arias acompanhado de vinte e quatro subalternos, todos a serviço do governador José Ramalho, do estado do Amazonas. No dia 14 de julho de 1889, na sede do seringal "Empresa", um pouco acima de "Puerto Alonso", Galvez proclamou o "Estado Independente do Acre", assumindo a chefia do governo. A aventura ousada de Galvez, todavia, durou pouco, pois o governo brasileiro, atendendo reclamação dos bolivianos, despachou um contingente do Exército para o Acre, para prendê-lo e conduzí-lo de volta a Manaus. Frustrada essa proclamação da independência do Acre, não se lhe pode negar a utilidade, seja para a divulgação nacional da questão acreana, seja pela nova dimensão política que conferiu à luta dos acreanos. Mais adiante, como será visto, foi o caminho trilhado para justificação jurídica da luta armada contra os bolivianos. Em seguida a este episódio, os acreanos, tendo sempre na vanguarda o seringalista Joaquim Vitor da Silva, prepararam um manifesto, lido em março de 1900, em Belém, por Rodrigo de Carvalho, funcionário do estado do Amazonas e um dos mais prestigiados lideres do movimento. O auditório repleto da "Associação Comercial", onde foi lido o "Manifesto Acreano", garantiu a divulgação por todo o território nacional do seu teor, do qual se reproduz a seguir, um trecho muito importante: "Os rebeldes acreanos, ao enfrentarem os prós e contras do seu patriótico movimento, conheciam minudentemente os convênios realizados e os fatos pretéritos e contemporâneos do Brasil colonial e do Brasil império. O seu patriotismo não podia admitir, portanto, que o Brasil republicano abandonasse sem-cerimoniosamente a área mais produtiva da federação no atual momento. Preferiram os revolucionários acreditar que o governo federal desconhece a questão, como consignou a "Província do Pará", ignorando tudo quanto respeitava ao mesmo pedaço requestado, superior em extensão a numerosos Estados da União. Creram nesta hipótese e aguardaram o ensejo de esclarecer os poderes públicos da República. É agora ocasião de declarar que os insurretos, a cujos esforços se deve o desbravamento das plagas acreanas, prepararam aberta e francamente a revolução contra as prepotências da Bolívia, a fim de reintegrarem à mãe-pátria a pérola que queria soterrar por insciência da riqueza que perdia. (...) Os revolucionários não pediram ainda um ceitil ou soldado ao Brasil para defender a integridade da pátria. Apenas lhe rogaram e lhe rogam que se mantenha neutral, porque eles, arrostando com todos os sacrifícios, saberão couraçar os seus domicílios e as suas fortunas contra a invasão boliviana. Nada carecem os rebeldes da mãe-pátria, senão justiça às suas honradas intenções". Embora tenha repercutido intensamente em todo o país, o manifesto não surtiu o efeito desejado, isto é, não mudou a postura do governo brasileiro que, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, continuou apoiando as pretensões bolivianas. Destarte, seis meses depois, em setembro de 1900, novecentos soldados do Exército da Bolívia, sob o comando do Coronel Ismael Monte, chegaram de surpresa em "Puerto Alonso". Acompanhava a tropa o próprio Vice-Presidente do país vizinho, Don Lucio Velasco, com o propósito claro de confirmar a soberania boliviana sobre a região. O ambiente de conspiração voltou a dominar os seringais acreanos, enquanto em Manaus o Governador Silvério Néri reiterava a sua posição contrária à entrega das terras aos bolivianos, entre outras razões devido ao fato da ocupação resultar em grande queda na renda estadual. Além de declarar-se ostensivamente contra a posição do Governo Federal, o Governador do Amazonas ainda encarregou um funcionário graduado da administração estadual, Rodrigo de Carvalho, de organizar uma expedição armada para dar combate aos bolivianos. No dia 2 de dezembro de 1900, o gaiola "Solimões" chegou a Lábrea, transportando o "Batalhão Floriano Peixoto", comandado, segundo as crônicas por "poetas e letrados" da sociedade amazonense. Sem orientação militar, o "Batalhão Floriano Peixoto" entrou em choque com as tropas bolivianas, sofrendo humilhante derrota. Com a vitória sobre "os poetas e letrados" do Amazonas, conseguiram os bolivianos um bom período de trégua, até o final de março de 1902. No dia 2 de abril de 1902, chegou a "Puerto Alonso" Don Lino Romero, pouco antes nomeado "Delegado Nacional en el Territorio del Acre y Alto Purus". A chegada da nova autoridade da Bolívia, no entanto, exacerbou a rebeldia dos brasileiros radicados no Acre, pois o seu primeiro ato foi determinar um prazo máximo para que todos os proprietários do Acre legalizassem a posse das terras que vinham ocupando. Além disso, Don Lino Romero se faz acompanhar de um representante da "Sociedad Gomera Boliviana", que propalou na região a intenção de alienar terras para a empresa. Agora, além da mudança da soberania dos territórios, que afrontava o patriotismo, entrou em jogo o direito de propriedade dos brasileiros. Chegou-se, assim, ao final do primeiro semestre de 1900, quando se espalhou a notícia de que a Bolívia arrendara todas as terras do Acre para o "Bolivian Syndicate", companhia de carta anglo-saxônica. Aí então, entrou em cena a figura ímpar de José Plácido de Castro, ex-aluno da Escola Militar de Porto Alegre, voluntário, a partir de 1893, do "Batalhão Antônio Vargas", dos maragatos de Gumercindo Saraiva, aonde chegou ao posto de major. Com a derrota dos revolucionários, interrompeu-se a carreira militar de Plácido de Castro. Em 1899, depois de breve período de atividade na iniciativa privada, dirigiu-se para o Acre, onde começou a trabalhar por conta própria, como agrimensor, demarcando os seringais da região. No dia 23 de junho de 1902 abandonou os trabalhos de campo, como já foi mencionado, para apresentar-se ao seringalista José Galdino de Assis Marinho, dono da propriedade que estava demarcando, de lá partindo os dois para a casa de Joaquim Vitor da Silva, em "Bom Destino", onde chegaram no dia 30 do mesmo mês. PLÁCIDO DE CASTRO NO COMANDO Logo após o encontro com Joaquim Vitor, partiram todos para "Caquetá", 11 milhas a jusante de "Bom Destino", local onde Rodrigo de Carvalho armazenara boa quantidade de armas e munições fornecidas pelo Governador do Amazonas. No dia 1º de julho de 1902, reuniram-se naquela localidade o intrépido gaúcho de São Gabriel, o líder civil Joaquim Vitor da Silva, Rodrigo de Carvalho, Domingos Leitão, Domingos Carneiro, Antônio Carvalho e José Galdino da Assis Marinho, para juntos decidirem sobre as ações a empreender. Decidiu-se, preliminarmente, pela proclamação do "Estado Independente do Acre", devido à postura adotada pelo governo federal, apoiando sistematicamente as pretensões bolivianas. Como o território já não era mais administrado pelo Brasil e a população não desejava permanecer sob o domínio boliviano, a única solução, que não comprometeria o governo brasileiro, seria a proclamação da independência. A idéia dos insurretos, aliás muito bem posta, incluía a vitória da revolução, a eleição de um chefe de governo, a notificação externa da existência de um novo Estado e, em seguida, a solicitação ao governo brasileiro para que aceitasse a anexação do novo Estado aos seus domínios. Na mesma reunião, foi montada uma "Junta Revolucionária", integrada por Joaquim Vitor da Silva, José Galdino de Assis Marinho e Rodrigo de Carvalho, ficando todas as operações militares sob o comando de José Plácido de Castro. Outra decisão muito importante para conferir ao movimento unidade de comando: acertou-se que logo depois do início das hostilidades a "Junta" se encolheria nas suas atribuições, entregando a direção geral do movimento ao chefe militar. Plácido de Castro ali mesmo decidiu que as operações começariam em Xapuri, centro de convergência da produção de inúmeros seringais, localizado na confluência do rio Acre com o Xapuri, 1.850 milhas a montante da boca do Acre e 259 milhas a montante de "Bom Destino". Plácido de Castro, acompanhado por José Galdino e por Antônio Moreira de Souza, além de 33 homens, recrutados no seringal do seu mais chegado lugar-tenente, partiram, em pequenas embarcações, para burlar a vigilância dos bolivianos, chegando a Xapuri na madrugada do dia 6 de agosto, data nacional da Bolívia. Um audacioso golpe de surpresa, preparado com detalhe por Plácido de Castro, foi o suficiente para conquistar o lugarejo e, já no dia seguinte, dia 7 de agosto, foi proclamada a independência do Acre, notícia rapidamente difundida em todos os seringais dispostos às margens do rio do mesmo nome. O comando de Xapuri foi entregue a José Galdino e, no dia 14 de agosto, Plácido de Castro, acompanhado de pequena escolta, iniciou a viagem de regresso à base, mas desta vez por terra, para iludir a vigilância boliviana e, ao mesmo tempo, preparar a defesa dos seringais localizados em pontos estratégicos. Plácido só regressou a Caquetá no dia 8 de setembro, depois de 25 dias de marcha. Logo no dia seguinte partiu para "Bom Destino" para conferenciar com Joaquim Vitor da Silva, ocasião em que ficou decidido que o próximo golpe seria desfechado contra "Puerto Alonso" entre os dias 20 e 23 de setembro. Enquanto fazia os preparativos para o ataque, arregimentando mais voluntários para as suas forças terrestres, Plácido foi informado de que o Coronel Rozendo Rojas, à frente de tropa regular, deixara o seringal "Gavião", onde estava acampado, e já estava marchando para reforçar "Puerto Alonso". Disposto a acelerar as operações, Plácido tomou a decisão de interceptá-lo no caminho, surpreendendo-o em local adequado. Ocorre que o competente militar boliviano surpreendeu uns emissários de Plácido, que saíram à frente da sua tropa, para colocar os seringais de prontidão. Aprisionados, os seringueiros revelaram os movimentos das tropas acreanas, dando condições para Rojas aguardá-las na "Volta da Empresa", local situado apenas uma milha acima da atual cidade de Rio Branco. No dia 18 de setembro, ao amanhecer, a tropa acreana foi surpreendida por intenso tiroteio, que resultou na morte de 21 soldados e mais 16 feridos. No lado boliviano só morreram 9 soldados. Esgotada a munição da sua tropa, e tendo em vista o número de mortos e feridos, Plácido ordenou a retirada, saindo derrotado nesse primeiro confronto com o Coronel Rozendo Rojas. No seringal "Bagaço", 26 milhas a jusante, Plácido recompôs as suas forças e armou 400 homens, municiando-os com 60 tiros cada um. Agora, tratava-se de derrotar o Coronel Rozendo Rojas, que estacionara suas forças no seringal "Nova Empresa", 3 milhas a montante da "Volta da Empresa", portanto 29 milhas distante do acampamento acreano. No dia 5 de dezembro, depois de receber o reforço de mais de cem homens trazidos pelo seringalista Antônio Antunes de Alencar, e tendo sob seu comando outras figuras de destaque como Hipólito Moreira, Antônio Coelho e Gastão de Oliveira, Plácido atacou "Nova Empresa" pelo flanco direito e pela retaguarda. O combate durou nada menos do que 11 dias, rendendo-se, afinal, os bolivianos devido à sede que assolava as suas fileiras, uma vez que o terreno conquistado na primeira escaramuça concedeu aos acreanos a vantagem de impedir que os adversários tivessem acesso ao rio, embora distantes dele apenas umas poucas centenas de metros. Plácido de Castro obteve, então, a sua desforra, derrotando por completo as forças do Coronel Rozendo Rojas, que foi feito prisioneiro, junto com mais de cem soldados. A vitória dos seringueiros nordestinos contra forças regulares da Bolívia repercutiu intensamente no Acre e no país inteiro, animando a resistência dos brasileiros contra os invasores bolivianos. Pelas mesmas razões que levaram os seringalistas do Acre a se rebelar contra o domínio boliviano, os proprietários prósperos, exploradores do "caucho" nas bacias do Beni e dos seus tributários Madre de Diós, Orton, Manuripi e Tahuamanu, todos localizados indiscutivelmente em território da Bolívia, começaram a se armar contra os acreanos, pois vislumbravam na vitória destes a frustração do arrendamento da área para o "Bolivian Syndicate", que prometia fazer a região prosperar. Chegaram notícias a Caquetá de que numeroso contingente de "caucheros", armados pelos proprietários de terras, ameaçava Xapuri. Lá em Xapuri, o chefe militar José Galdino de Assis Marinho, antecipava-se ao ataque despachando uma coluna para o povoado de "Carmem", situado a 1.903 milhas da boca do Acre e apenas 14 milhas da atual cidade de Brasiléia, para interromper o caminho que chegava ao rio Tahuamanu, de onde viriam os "caucheros". Essa providência resultou em desastre, pois os bolivianos, comandados por um tal Miguel Roca, auxiliado por um brasileiro traidor, dizimaram os acreanos. Imediatamente, Plácido de Castro, mesmo enfermo, atacado que fora pelo impaludismo, alterou os seu plano de atacar "Puerto Alonso", para acudir o seu fiel amigo José Galdino. O novo objetivo, agora, era levar a guerra ao próprio território boliviano, para evitar ataques de lá desfechados. À frente de 400 homens iniciou o deslocamento até o rio Orton, afluente do Beni, onde pretendia submeter os povoados de Palestina e Mercedes, locais de concentração dos "caucheros". Ao mesmo tempo, despachou diretamente para Xapuri, todas as forças arregimentadas em "Capatará" e "Amélia" (141 milhas e 113 milhas a jusante de Xapuri, respectivamente). Na sua marcha para o Orton, Plácido de Castro, à frente de um destacamento de 70 homens, atacou os "caucheros" em Santa Rosa, povoado à margem direita do rio Abunã, onde dizimou a força inimiga. Seguiu depois até o rio Orton, em marcha forçada, destruiu a ponte existente na localidade denominada Coricohu Vial, de onde regressou por insistência dos seus comandados, tendo como interprete o já Coronel Alexandrino Silva. Retornando ao Acre, as forças de Plácido passaram por Iqueri, ás margens do rio do mesmo nome, ultrapassaram Capatará, até alcançarem Itu, 6 milhas a jusante. De Itu seguiu a tropa para Xapuri, agora bem protegida, de onde Plácido de Castro, à frente de 300 homens, no dia 4 de dezembro, seguiu para o rio Tahuamanu, para atacar Costa Rica, onde derrotou as tropas lá estacionadas em combate que durou apenas 35 minutos. No dia 10 de dezembro retornou Plácido de Castro a Xapuri, transportando armas, munições e até arquivos da guarnição derrotada. De Xapuri, para consolidar as vitórias alcançadas, partiu novamente o chefe-guerrilheiro dos acreanos para vasculhar o alto Acre, numa marcha de 14 dias, livrando-o da presença inimiga. Após essa campanha, bem ao sul, Plácido decide retornar à sede, para desfechar o golpe de misericórdia nos invasores: a conquista de Porto Acre, rebatizada como "Puerto Alonso" pelos bolivianos. Naquele momento, o sonho acalentado pelas Bolívia, de fincar pé no Acre, achava-se praticamente desvanecido, pois nada mais restava sob domínio boliviano senão o povoado de Porto Acre, com o representante do país vizinho praticamente sitiado, embora dispondo de força considerável. Os acreanos, por seu turno, já contavam com uma tropa razoavelmente treinada e bem numerosa, pois acrescida numericamente, a cada dia que passava, pelo ingresso voluntário de seringueiros estimulado pelos donos dos seringais. As forças de Plácido de Castro já dispunham até de um navio a vapor, o antigo "Rio Afuá", rebatizado "Independência". O ataque a "Porto Acre" foi marcado para o dia 15 de janeiro de 1903 e no dia previsto as forças acreanas iniciaram as hostilidades às 9 horas da manhã. A resistência foi vigorosa e ao anoitecer as tropas de Plácido de Castro já estavam com mais de 50 baixas, entre mortos e feridos. No dia 24 de janeiro, nove dias depois do início do ataque, o representante da Bolívia, Don Lino Romero, sob a proteção de uma bandeira branca, dirigiu-se ao acampamento de Plácido de Castro para apresentar a capitulação da praça, aceitando todas as condições estipuladas pelos acreanos. A exigência foi seca: retirada imediata das tropas bolivianas para Manaus e entrega do povoado com todo o armamento disponível. Interessante realçar a nobreza com que Plácido de Castro tratava os inimigos derrotados. No ato de rendição de Puerto Alonso, agora Porto Acre, quando Don Lino Romero desembainha sua espada para entregá-la a Plácido de Castro, este falou o seguinte: "Senhor Coronel, não fazemos guerra senão para conquistar o que é nosso; aos vencidos abrimos os braços de amigos. Não infligiremos uma humilhação aos adversários, depois de derrotados. Não receberemos de suas mãos as armas com que, bravamente, nos hostilizaram e arrancaram a vida de tantos companheiros, cuja perda hoje choramos. Guardai a vossa espada e fazei depositar o armamento nas arrecadações". Gesto como esse, aliás, Plácido de Castro tivera em relação ao Coronel Rozendo Rojas, depois da vitória dos acreanos no seringal "Nova Empresa". Terminou, assim, a presença da Bolívia nas plagas acreanas, depois de 171 dias de inteligente campanha militar, conduzida pelo patriotismo ardente de José Plácido de Castro, agora dirigente máximo do Estado Independente do Acre! A notícia da capitulação de Porto Acre causou impacto profundo na Bolívia, a ponto do próprio Presidente da República, o general Manuel Pando, tomar a decisão de comandar uma força boliviana para retomar as posições perdidas. Todavia, Plácido de Castro não dormiu sobre os louros da vitória. Logo que soube dos planos do General Pando, despachou para Xapuri o "Batalhão Independência", a tropa mais bem adestrada dos revolucionários acreanos, para enfrentá-lo. Naquela altura, o Exército sob o comando de Plácido de Castro tinha um efetivo de 2.000 homens, "sadios e bem dispostos" no dizer do próprio chefe. Delineavam-se, assim, no horizonte dias tempestuosos para os acreanos e para o Brasil, uma vez que o nosso bravo combatente, logo após chegar com a sua tropa em Xapuri, internou-se no território boliviano para dar combate à vanguarda da tropa do General Pando. Plácido de Castro achava-se no quarto dia de peleja, em Porto Rico, levando nítida vantagem sobre os bolivianos, quando recebeu, na linha de frente, o Major Gomes de Castro, do Exército Brasileiro, que lhe transmitiu o texto do acordo preliminar de La Paz, por ordem do General Olimpio da Fonseca, recém-chegado ao Acre. A INTERVENÇÃO DO BARÃO DO RIO BRANCO Felizmente para o Brasil, o comando da diplomacia brasileira havia mudado, agora com a presença de um patriota de fé, o Barão do Rio Branco, à frente do nosso Ministério das Relações Exteriores. Os tempos de dirigentes alienados como Carlos de Carvalho, Dionísio Cerqueira e Olinto de Magalhães passaram a ser coisa do passado. O primeiro nome citado, convém recordar foi o responsável pelo protocolo Carvalho-Medina que aceitou uma posição geográfica para a nascente do rio Javari, sem que tivesse sido ela devidamente reconhecida no terreno, decisão contra a qual se insurgiu o patriota General Taumaturgo de Azevedo. O segundo, Dionísio Cerqueira, teve a infelicidade de autorizar a Bolívia a instalar um posto alfandegário no rio Acre, em zona totalmente ocupada por brasileiros. O terceiro, continuador, da política infeliz dos dois antecessores imediatos, ainda teve a petulância de menosprezar os habitantes do Acre, quando afirmou publicamente: "O seu território é habitado, não por bolivianos, por brasileiros, que nem um interesse real têm na sua independência, porque não lhes muda a sorte. Eles são, como antes, simples instrumentos na exploração dos seringais, mais sujeitos à fatal conseqüência da insalubridade do clima que enriquecidos pelo seu trabalho". Quando assumiu o Ministério das Relações Exteriores, em 1902, a questão do Acre assumira proporções inaceitáveis para o Brasil, não só pela seqüência das operações militares sob o comando de Plácido de Castro, mas, sobretudo, pelo arrendamento das terras acreanas e bolivianas para uma companhia de carta estrangeira, que se fixaria no coração da América do Sul. Na sua primeira aparição perante a Comissão de Diplomacia da Câmara de Deputados, numa clara demonstração de competência e patriotismo, assim se pronunciou o Barão do Rio Branco: "Os nossos limites com a Bolívia foram fixados pelo Tratado de 1867, ao qual até hoje não se deu execução, e sem essa execução não é possível determinar definitivamente a qual das potências confinantes pertence a região do Acre. As divergências manifestadas pelos comissários brasileiros sobre as nascentes do Javari, estavam impondo a necessidade de uma comissão mista internacional. Em vez desse processo regular para execução do tratado, preferiu-se, arbitrariamente, o infeliz protocolo de 1895; o errado marco Tefé, aliás plantado em demarcação com o Peru e não com a Bolívia. Reconhecido o erro, o protocolo de 1895 foi substituído pelo não mais feliz protocolo de 1898, que adotou provisoriamente a linha Cunha Gomes por fronteira. Felizmente tais protocolos não se continham no tratado, virtualmente sequer, não criavam nem suprimiam direitos contra ou além do tratado de 1867, por cuja execução somente se poderá demarcar definitivamente a linha divisória que, partindo do Madeira, vá ter às nascentes do Javari, onde se acharem. Menos podem criá-los ou suprimí-los notas ministeriais infelicíssimas, como foram as duas famosas da chancelaria brasileira, uma relativa à alfândega de Puerto Alonso, outra em resposta à nota de 7 de março, do Ministro boliviano nesta cidade". Coerentemente com o ponto de vista de um patriota, o novo Chanceler, no dia 9 de março de 1903, em correspondência enviada ao representante do Brasil junto ao Governo da Bolívia, bem definiu a nova postura do país em relação ao Acre e aos acreanos: "Informa-me Vossa Excelência do desejo manifestado por esse governo de que as forças bolivianas subjuguem de vez os acreanos. Responda terminantemente que nisso não podemos concordar. Já declarei, que, se desejamos adquirir todo o território, mediante compensações, é unicamente por ser brasileira a sua população e para acabar de uma vez com as desinteligências e complicações que entre Brasil e Bolívia têm ocasionado as revoltas desses brasileiros contra a dominação estrangeira. Sendo esse o nosso pensamento e tendo sido iniciadas negociações para que o possamos realizar, não há utilidade alguma em que o governo boliviano se empenhe em, previamente, subjugar os nossos compatriotas, que queremos proteger, livrando-os de vingança e evitando conflitos entre eles e as tropas bolivianas". Mesmo com a disposição demonstrada pelo Barão do Rio Branco a expedição do General Pando iniciou a marcha para o Acre. Contudo, não chegou a atingir o seu objetivo porque, no dia 21 de março, foi assinado em La Paz um acordo harmonizador, que faria cessar as atividades bélicas, até que fossem concluídas as negociações diplomáticas. No acordo preliminar Brasil declarava litigiosa uma zona de 142.900 quilômetros quadrados, localizada ao norte do paralelo de 10º 20´´ S, atitude esta que "correspondia ao intuito diplomático de regularizar a ocupação da área pelo Brasil, condição indispensável para a manutenção da paz e para o estabelecimento das negociações em vista de um acordo direto". Depois de prolongadas negociações, cuja maior dificuldade adveio do precipitado arrendamento de terras ao "Bolivian Syndicate", em 17 de novembro de 1903, foi assinado em Petrópolis o tratado de limites definitivo entre os dois países. Pelo "Tratado de Petrópolis", a Bolívia abria mão de 191.000 quilômetros quadrados do território que vinha disputando, pelo estabelecimento de limites determinados, na maior parte da extensão, por acidentes geográficos naturais. Como compensação, o Brasil transferia para a Bolívia uma área de 2.295 quilômetros quadrados, não habitada, entre o Madeira e o Abunã; 723 quilômetros quadrados na margem direita do rio Paraguai, dentro de terrenos alagados conhecidos como Baia Negra; 116 quilômetros quadrados sobre a Lagoa de Cáceres; 20,3 quilômetros quadrados sobre a Lagoa de Mandioré e 8,2 quilômetros sobre a margem meridional da lagoa Gaíba. Além da troca de áreas, desvantajosa para a Bolívia, o Brasil ainda pagaria uma indenização ao país vizinho, no valor de 2 milhões de libras esterlinas e comprometia-se a construir uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que , passando por Vila Murtinho, no Mato Grosso, chegasse a Vila Bela, na confluência do Beni com o Mamoré. Ao mesmo tempo, comprometiam-se as partes a celebrar um tratado de navegação e comércio, baseado no princípio de ampla liberdade de trânsito terrestre e navegação fluvial. Sobre os termos desse tratado, que acabou com a guerra no sudoeste da Amazônia brasileira, nada melhor do que o depoimento do próprio Barão do Rio Branco: "Pelo presente tratado o Brasil incorpora ao seu patrimônio um território mais extenso que o de qualquer dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, território que produz renda anual superior a mais da metade dos vinte estados da nossa União. Não foram, porém, vantagens de qualquer ordem o móvel que nos inspirou. Desde muito que se conheciam as riquezas do Acre, que eram os nossos compatriotas os únicos a explorar; entretanto o governo persistia em considerar boliviano aquele território e dar à Bolívia as possíveis facilidades para o utilizar. Foi preciso que a segurança deste continente fosse ameaçada pela tentativa de introdução do sistema perturbador das "Chartered Companies" e que nos convencêssemos da impossibilidade de conservar as boas relações, que tanto prezamos com a nação boliviana, enquanto existisse sob sua jurisdição um território exclusivamente habitado por brasileiros, para que se produzisse a nossa ação em busca dos resultados agora obtidos ". Releva acrescentar, em reforço à validade do tratado, que até o primeiro semestre de 1917 o Brasil já havia arrecadado, com as exportações da borracha procedente do Território Federal do Acre, importância superior a 130 mil contos de réis, enquanto que as despesas com a aquisição das terras e demais obrigações previstas, só atingiram o montante de 63 mil contos de réis. Então, de 1904 a 1917, a produção gomífera do Acre já compensara, por larga margem, as despesas da União decorrentes da sua anexação ao patrimônio dos brasileiros. Embora a presença do Barão do Rio Branco, à frente da nossa diplomacia, tenha sido oportuna e providencial, não se pode negar a Plácido de Castro e ao seu exército de seringueiros nordestinos, a glória de ter possibilitado tal feito. Muito equivocados estavam aqueles brasileiros complacentes, que viam a luta heróica sustentada pelos acreanos como conseqüência exclusiva de interesses econômicos prejudicados. José Plácido de Castro, por exemplo, não foi movido por qualquer interesse subalterno, senão pelo amor à pátria. Basta reler o texto que se extraiu do seu diário, reproduzido logo no início desta narração. Aliás, depois do cumprimento da sua nobre missão, Plácido de Castro recolheu-se à vida privada, não sem antes provar o sabor da injustiça e do desrespeito. A bravura com que se bateram os seus soldados, cearenses na maioria, retirantes da seca de 1877-1879, não foi estimulada por quaisquer vantagens pessoais. Seringueiros eram, seringueiros continuaram a ser, depois da vitória! EPÍLOGO Obtida a vitória final, com a assinatura do Tratado de Petrópolis, não faltaram aqueles que apregoavam participação decisiva no processo de inclusão do espaço acreano no âmbito da soberania brasileira. Oportunistas de vários ofícios lançaram-se em campo, não só para detrair os combatentes, mas também para exaltar os próprios feitos fantasiosos. Encerrado o ciclo militar da campanha do Acre, Plácido de Castro assumiu o cargo de Governador do "Estado Independente do Acre", para o qual fora escolhido, na Convenção de Caquetá, em 6 de agosto de 1902. Imediatamente, entregou o Acre Setentrional aos cuidados do General Antônio Olímpio da Silveira e iniciou a administração do Acre Meridional, com a legitimidade reconhecida pelo Governo Federal, conforme ficou estabelecido no Acordo preliminar de La Paz.. Surpreendentemente, na segunda metade do mês de maio de 1903, o General Antônio Olímpio da Silveira lançou uma proclamação em que considerava extinta a revolução do Acre e, em conseqüência, declarando que todo o território do Acre ficaria sob sua jurisdição única. A mesma proclamação licenciou todos os oficiais e praças do exército revolucionário. A seguir, o General avançou sobre o Acre Meridional, apoderou-se do almoxarifado do Estado Independente, declarando presa de guerra todos os volumes lá estocados, além de todas as armas e munições em poder do exército revolucionário. Plácido de Castro, embora com mais forças à disposição, preferiu não resistir, uma vez que não admitia combater os seus compatriotas. Todavia protestou veementemente e, em seguida, retirou-se do Acre. O General Olímpio da Silveira foi exonerado "por ter cometido o delito de assaltar uma praça de guerra livre, onde o Brasil não tinha soberania, mas apenas intervenção diplomática". Foi substituído pelo Coronel Rafael Augusto da Cunha Matos, que recebeu ordens expressas para reparar os danos causados pela inoportuna intervenção e providenciar a recomposição do exército revolucionário. O Governo Federal, ademais, apresentou as desculpas oficiais ao líder Plácido de Castro, instando-o a retornar ao seu posto no Acre Meridional. Em 25 de fevereiro de 1904, deu-se a promulgação da Lei nº 181, que autorizou o Poder Executivo a organizar o Território do Acre. O Decreto nº 5.181, de 7 de abril do mesmo ano dividiu o território em três departamentos , ou prefeituras, que seriam governados por pessoas da confiança do Presidente da República. A divisão em três zonas administrativas foi um erro palmar, demonstrando quão pouco conhecimento tinham os legisladores da situação geográfica do Acre. Plácido de Castro, desde o primeiro momento sugeriu a separação do território em duas zonas, que corresponderiam aos dois vales distintos em que se divide o Acre. A leste a bacia do Purus, a oeste a bacia do Juruá. Ao invés dessa divisão lógica, o Acre foi dividido entre os departamentos do Purus, do rio Acre e do Juruá. Os três departamentos foram entregues a oficiais do Exército Brasileiro, com plenos poderes para governá-los, embora dispondo apenas de 200 contos de réis por ano, para os encargos de governo. Plácido de Castro, esquecido, como tantos outros heróis da revolução acreana, recolheu-se à vida privada, para assumir a administração do seringal "Capatará", por ele adquirido em 1904, em sociedade com a firma "P. Braga & Cia", de Manaus, tendo como vendedora a firma "Leite & Cia." de Belém. Embora voltado para a produção de borracha, a presença de Plácido incomodava os novos governantes, que viam nele um concorrente de prestígio consolidado perante a população acreana. Depois de esquecido pelo Governo federal, passou a ser considerado pelos administradores do vale do Purus como conspirador. Os amigos mais chegados de Plácido de Castro passaram a ser perseguidos e submetidos a vexames de caráter policial. Com a chegada ao Acre do Coronel Gabino Bezouro a situação se deteriorou sobremaneira, a ponto do Juiz de Direito da Comarca, após tomar conhecimento das notícias alarmantes que passaram a circular, dirigir-se por carta a Plácido de Castro pedindo-lhe "para empregar o prestígio e a influência de que dispunha para fazer voltarem a calma e a tranqüilidade ao espírito público". A resposta de Plácido de Castro, embora eivada de ressentimento, merece ser reproduzida integralmente, para que possa medir com precisão a nobreza do gaúcho de São Gabriel: " Capatará, 19 de julho de 1908. Exmº Senhor Dr. João Rodrigues do Lago. M.D. Juiz de Direito da Comarca do Alto Acre. Chegando neste momento à casa, deparei com a carta de V. Excia., que passo a responder. Ainda que não tivesse o prazer de ser particularmente conhecido por V. Excia., tenho vida pública pela qual posso ser julgado. Entrando o Território do Acre para a comunhão brasileira, recolhi-me à vida industrial e comercial, que absorve quase toda a minha atividade. A dúvida e o temor que diz V.Excia. pairarem sobre esta região, para mim tão querida e talvez na iminência duma conflagração geral, deve ser mais intensa ainda no meu espírito, que sou alvo dos ódios e talvez dos punhais daqueles que chegados aqui ontem se julgam com mais direitos de viver nesta terra do que aqueles que como eu regam-na com suor honesto. Como disse, tenho vida pública, e por ela posso, talvez, afirmar que se alguém nesta terra entrou pela porta da honra e do sacrifício, esse alguém, desculpe~me a falta de modéstia, fui eu. Com que indignação e com que dor não devo assistir, como agora, os representantes do governo de minha Pátria calcando sob coturnos os mais sagrados direitos de pessoas que me são tão caras, irmãos e amigos. Meu irmão arrancado alta noite de casa pela soldadesca de armas embaladas, os meus amigos com a casa indefesa, assaltados em pleno dia por essa mesma soldadesca, a tiro de Mauser, vendo-se obrigados a abandoná-la para não serem assassinados. O apelo não deve ser feito às vítimas para impedir a luta, e sim ao agressor. Esses fatos são eloqüentes demais para não se ignorar quem é o perturbador da ordem pública, o responsável por essa nuvem lutuosa que se estende sobre o Território do Acre. Quem vai enlutar esta terra pela qual tenho tanto carinho, não sou eu, Exmo. Sr., é o representante do governo de nossa Pátria, é o depositário do poder público! Entretanto, se o depositário do poder público entender que não deve continuar a mandar assaltar as casas dos meus amigos inermes e suspender esse aparato bélico dentro da própria paz que ele acaba de perturbar, não serei eu que vá interromper a marcha pacífica da vida acreana, na qual a minha responsabilidade moral é maior do que a dele. Se cessar a agressão, terei prazer de ir pessoalmente apertar as mãos de V. Excia, Do crd.o admirador. Plácido de Castro " Eis aí a verdadeira dimensão do caráter do herói, hoje quase esquecido, da epopéia do Acre. Após a remessa da carta, diversos entendimentos foram mantidos entre Plácido de Castro e pessoas ligadas ao "depositário do poder público, com vistas a acalmar os ânimos no vale do rio Acre". Todavia , os fatos vieram demonstrar quem estava com a razão. No dia 9 de agosto de 1908, vinte e um dias após ter escrito a carta ao Juiz de Direito, Plácido de Castro foi ferido numa emboscada que lhe armaram no caminho situado entre a foz do Riozinho e o seringal "Capatará ", de sua propriedade. Plácido de Castro regressava da Vila Rio Branco, acompanhado por Genesco de Castro, seu irmão, pelo Promotor Barros Campelo e pelo Dr. José Alves Maia. Mesmo ferido, Plácido conseguiu conduzir o cavalo em que montava até o lugar conhecido como Benfica, onde veio a falecer no dia 11. A versão dos fatos, à época, revelou que os atacantes eram em número de quatorze, chefiados por Alexandrino José da Silva, delegado de Polícia da municipalidade do Acre e ex-comandado de Plácido nas lutas contra os bolivianos. O prefeito, Coronel Gabino Bezouro, foi acusado como mandante do crime. Como nada foi oficialmente apurado, demonstrando claramente o envolvimento das autoridades citadas, ainda assistiu-se à triste cena da mãe do herói do Acre, em 24 de novembro de 1929, aos 92 anos de idade, escrever uma carta ao Senado, pedindo justiça em relação "ao bárbaro crime, que havia sido prescrito, sem que o mais ligeiro inquérito fosse aberto a respeito, sem que ao menos os nomes dos miseráveis assassinos fossem apontados pela justiça à execração pública". Encerra-se, assim, de forma melancólica, a epopéia do Acre, uma história de bravura, desde aquelas memoráveis expedições dos desbravadores primitivos da região, como João da Cunha Corrêa, o João Cametá, Manoel Urbano da Encarnação, João Gabriel de Carvalho e Melo, Antônio Labre, todos na banda do Purus, como o Alferes Borges que, em 1864, subiu o Juruá em canoa, até chegar à confluência com o Tarauacá; prosseguindo com a chagada dos cearenses que, fugindo do flagelo da grande seca iniciada em 1877, despovoaram a terra natal para assegurar a ocupação brasileira da Amazônia e finalizando com a insurreição dos acreanos contra o domínio boliviano, liderados militarmente pela figura ímpar de José Plácido de Castro, líder militar do movimento, mas também alimentados pelo patriotismo de Joaquim Vitor da Silva, chefe civil, José Galdino de Assis Marinho, Rodrigo de Carvalho, Antônio Moreira de Souza e muitos outros que a História, às vezes incompleta, deixou de registrar. Ao escrever este resumo histórico, não teve outro propósito o autor senão aquele de relembrar os feitos de compatriotas de valor, gigantes mesmo da nacionalidade, embora muito pouco reverenciados pelos brasileiros, mas a quem todos nós, habitantes desse Brasil portentoso, temos obrigação moral de reverenciar, por nos terem legado o "continente" sobre o qual exercemos soberania. "Brasil acima de tudo, sob a proteção de Deus!". A República Oligárquica e a questão do Acre Ao pronunciar-se, de modo contundente, contra a visão positivista da história, Nietzsche negava a existência dos fatos, afirmando serem estes um constructo, ou uma interpretação. Concordando, em parte, com o filósofo de Roecken quanto à crítica ao objetivismo positivista, mas nos posicionando contrariamente ao reducionismo subjetivista expresso nessa concepção, queremos, neste breve artigo, refletir sobre o que significou o nascimento da República para aqueles que, desde o último quartel do século XIX, vinham intensificando suas incursões na região dos altos rios amazônicos, povoando e explorando sua exuberante e lucrativa floresta, de modo especialíssimo suas “árvores que jorravam leite”. Proclamada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, amigo pessoal do imperador D. Pedro II, a (res) pública, melhor dizendo, a condução de seu destino, logo decepcionaria certos grupos sociais e suas respectivas visões de mundo. A proclamação de Deodoro da Fonseca conseguiu desagradar tanto a jacobinos, sociocratas positivistas (civis e militares), quanto a românticos liberais revolucionários identificados com as idéias da Revolução Francesa. A partir de seu primeiro presidente civil, Prudente de Morais, culminando com as presidências de Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena a (res) pública e identificar-se-ia aos interesses – refiro-me particularmente ao poder político - da oligarquia cafeeira, representada, naquele momento, por diversos partidos republicanos regionais, sintonizados aos interesse maiores do principal deles, o Partido Republicano Paulista – PRP. Em 1898, em plena presidência de Manuel Ferraz de Campos Sales, abastado cafeicultor paulista e membro destacado do “grupo da oligarquia”,criado e consolidado no próprio âmago do PRP, a questão do Acre, isto é, a questão relativa ao preciso tracejo das linhas geodésicas concernentes às nascentes dos rios Acre, Iaco, Purus e Juruá, era definida pelo Ministro do Exterior Dionísio Cerqueira como uma questão nascida nas praças comerciais de Belém e Manaus e que tais questões não deveriam “embaraçar a marcha da República, que [ precisava ] seguir seu caminho, sem ter que se incomodar com tais estrepes”. Assim, para a República, agora em sua face decididamente oligárquica, uma questão de vida ou morte para milhares de seringueiros que, patrões à frente, fabricavam milhares de quilos de borracha era entendida como estrepe ou empecilho à marcha da República, vale dizer, à política gestada no laboratório oligárquico perrepista. Em telegrama enviado a Silvério Nery, o mesmo ministro autorizava este governador a concordar com as pretensões bolivianas. O Acre, dizia o ministro, podia ser considerado “incontestavelmente boliviano”. Indignados, os seringalistas – patrões pegaram em armas. A Revolução eclodiu nas barrancas dos rios. Luta contra o exército boliviano. Luta, também, contra a decisão do governo federal oligárquico. Houve até os que pensaram em separatismo, não apoiado nem por Galvez, nem por Plácido de Castro. Esses proclamaram o Estado Independente do Acre, pensando, mais tarde, incorporá-lo à Federação Nacional. Decorridos 114 anos da proclamação da República, é mais do que oportuno refletir/problematizar o passado para que o presente ganhe em significado. Deste modo, lembrar e comemorar a proclamação da República no que diz respeito à emergência de uma vasta e rica região desejosa de integrar o território nacional, é não esquecer os interesses em jogo. De um lado, aqueles dos cafeicultores - a oligarquia do Partido Republicano Paulista; do outro, os interesses dos grupos dominantes bolivianos, dos seringalistas, das Casas Aviadoras e Exportadoras, assim como os da própria oligarquia regional (Belém e Manaus). É valido instituir a tradição, mas não de forma acrítica e descomprometida. * Professor-doutor em História e pesquisador da UFAC (pág. 20 16-11-2003)

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