domingo, 27 de janeiro de 2008

Pré-história Acreana I (O caso dos sítios geométricos)

Por Marcos Vinícius Neves Fonte: Jornal Página 20/ Coluna Miolo de Pote Muito tem se dito através da imprensa, e outros meios, acerca da presença no Acre de “sítios arqueológicos com estruturas de terra”, muitas vezes formando grandes figuras geométricas. Entre afirmações sensacionalistas e postulados insensatos estes sítios se tornaram conhecidos do grande publico como “geoglífos”. Afinal de contas o que se sabe mesmo acerca destes sítios? O que as pesquisas desenvolvidas nos últimos trinta anos já descobriram e o que ainda falta pesquisar? São essas e outras questões que começaremos a ver hoje em uma nova série de artigos. Geoglifos? Mentiras e verdades Desde o início da polêmica sobre os sítios arqueológicos acreanos me posicionei contra a utilização do termo geoglífos para designar esta original ocorrência da pré-história acreana. Mas como já me referi a esse assunto diversas vezes antes nesta mesma coluna, não vou ficar repetindo o que já disse. Apenas vou pontuar rapidamente os principais fatores que me levam a discordar firmemente dessa nomenclatura para o esclarecimento dos leitores que ainda não tiveram conhecimento das informações básicas a esse respeito. 1 – O termo “Geoglífos” foi tomado de empréstimo do espetacular conjunto de sítios arqueológicos conhecido como “as Linhas de Nazca” localizados próximo ao litoral peruano. Estas “linhas” formam grandes figuras naturalistas ou não que retratam animais, objetos ou formas geométricas diversas que nada tem em comum (nem em sua construção, nem em suas formas e nem em suas relações culturais) com os sítios do Acre. Assim, correlacionar o Acre e Nazca não traz nenhuma vantagem à compreensão da arqueologia acreana, pelo contrário provoca, isso sim, uma grande desinformação. 2 – Considerando o termo “Geoglífos” por sua etimologia teremos o seguinte significado: geo = terra, glífos = símbolos (e por derivação = escrita, grafia, sinais codificados pela cultura que os produziu). Ou seja, toda vez que chamamos estes sítios arqueológicos acreanos de Geoglífos estamos dizendo que se tratam de grandes símbolos construídos com terra para transmitirem a outros indivíduos, ou comunidades, uma mensagem que só é compreensível para aqueles que conhecem o código em questão. O problema é que no atual estágio das pesquisas científicas, não há nada que confirme ou, pelo menos, sugira que tal abordagem tenha algum sentido. Pelo contrário, as informações até aqui obtidas, de forma séria e responsável, revela que esses sítios podem ter desempenhado funções de defesa contra grupos inimigos, agrícolas ou mesmo mágico-simbólicas com um sentido totalmente distinto do acima descrito (por exemplo como proteção espiritual, entre outras possibilidades). É por fatores como esses que os arqueólogos são sempre muito cuidadosos (pelo menos aqueles que prezam mais pela correção científica do que pela auto-promoção) ao denominar ocorrências arqueológicas. E vem da pesquisa sobre os sinais pintados ou gravados em pedras e cavernas o melhor exemplo sobre essa questão. Os arqueólogos há muito abandonaram o uso do termo “Petroglífos” para denominar essas ocorrências e empregam o nome “Arte Rupestre” para designá-los. Do mesmo modo arqueólogos estrangeiros que já se dedicaram a estudar os sítios do Acre ou outras ocorrências similares os denominam como “Earthworks”. Ou seja, “trabalhos (construções, estruturas) em terra”, em uma livre tradução. Na bibliografia corrente só uma arqueóloga vem empregando o termo “geoglífos”, mas como ela possui relações com os divulgadores deste equivocado termo, coloca sob suspeita (de que seu critério não seja exatamente de caráter científico) sua opção. 3 – O único objetivo plausível para o emprego do nome “Geoglífos” nos sítios arqueológicos acreanos é o da simplificação de seu tratamento para fins de divulgação. Há que se reconhecer que é muito mais fácil chamá-los de “Geoglífos” do que de “Sítios arqueológicos com estruturas de terra”, ou mesmo “Sítios geométricos”. Entretanto como essa utilização implica numa distorção que dificulta a compreensão da pré-história acreana, traz mais prejuízos do que vantagens, sendo por isso amplamente inadequada. 4 – Com a comparação forçada entre os sítios arqueológicos acreanos e as famosas “Linhas de Nazca” não só se ganha “glamour” para a divulgação do caso acreano (devido às notórias teorias de Eric Von Daniken difundidas pelo livro “E Eram os Deuses Astronautas?”), como se tenta também alcançar a mídia internacional. Porém, com essa atitude se estabelecem, subliminarmente, outras informações que não passam de mera distorção sensacionalista. Como, por exemplo, a noção de que os sítios geométricos acreanos só podem ser observados completamente através de sobrevôo. Como se seus construtores, que habitaram no Acre a milhares de anos atrás estivessem deliberadamente construindo mensagens que deveriam ser vista por “alguém” de cima. Estas teorias fantasiosas, além de extemporâneas (foram um grande sucesso de público nos anos 70), levam a uma compreensão equivocada da nossa pré-história. Por isso, é preciso deixar muito claro que as estruturas de terra dos sítios acreanos foram feitas por povos indígenas para serem utilizadas ou observadas do próprio nível do chão e qualquer outra afirmação neste sentido não passa de especulação midiática. 5 – Finalmente, é importante considerar que o emprego do termo “Geoglífos” também tem sido utilizado como forma de divulgar a atuação de “novos descobridores” dos sítios geométricos acreanos e ao mesmo tempo obscurecer o trabalho daqueles que nos últimos trinta anos se dedicaram ao estudo desses sítios. Infelizmente, isso ainda acontece com muito mais freqüência do que deveria. Felizmente uma forte reação contra essa atitude tem obrigado aos “neo-descobridores de geoglífos” a divulgar também as pesquisas anteriormente realizadas, apesar de terem sempre sua importância minimizada. Mas de tão desagradável, esse assunto não merece maiores considerações nesta nova série de artigos, até porque já fiz esses esclarecimentos na série “Memória da Arqueologia Acreana” que publiquei aqui nesta mesma coluna, no ano passado, cujos artigos podem ser acessados através da internet. Conclusão Enfim, nada disso desqualifica as ocorrências arqueológicas do Acre como uma fonte extraordinária de informações imprescindíveis para a compreensão da Pré-história Amazônica, bem como de suas conexões com a Pré-história Andina. Mas como esta nova série de artigos será dedicada a divulgar as informações até aqui disponíveis acerca dos sítios geométricos (acompanhadas, é claro, dos créditos aos que obtiveram essas informações) e como a mídia tem massificado o termo “Geoglífos” como se este fosse um nome correto para os sítios do Acre, o que não é o caso, era necessário, mais uma vez, esclarecer os leitores da coluna “Miolo de Pote” acerca dessa questão. Até semana que vem.

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