domingo, 27 de janeiro de 2008

A Pré-história Acreana III (O caso dos sítios geométricos ou pseudogeoglífos)

Por: Marcos Vinícius Neves
Fonte: Jornal Página 20/ Coluna Miolo de Pote
3ª Fase – Pesquisa intensiva – de 1992 a 2002; Depois da descoberta, em 1977, de diversos sítios com estruturas de terras e da publicação de diversas questões e hipóteses de pesquisa, em 1988, pelo Prof. Ondemar Dias, ficou evidente a importância desta ocorrência para a compreensão da pré-história acreana. Impunha-se então o aprofundamento das pesquisas através da realização de novos trabalhos de campo. Para tanto foram organizados diversos projetos ao longo dos dez anos que caracterizam esta fase. Projetos que tiveram caráter complementar e acumulativo uma vez que foram todos coordenados e orientados pelo Dr. Ondemar Dias. Sem detalhá-los, esclareço apenas que foram dois projetos (1992 e 1994) financiados pelo Smithsonian Institution e dois outros desenvolvidos (1996 e 1999) para elaboração de duas teses de doutorado no Departamento de Geoquímica da Universidade Federal Fluminense (para maiores informações ver “Memória da Arqueologia Acreana VIII a XII). Graças à execução destes projetos começamos a responder inúmeras questões, tais como: área de ocorrência destes sítios no estado do Acre, características culturais dos povos que os construíram, período em que viveram estes grupos pré-históricos, entre outras. Questões que veremos em detalhes nos próximos artigos desta série. Cabe ressaltar apenas que durante todo este período as pesquisas realizadas foram divulgadas normalmente pela imprensa local, como pode ser facilmente atestado através da consulta aos jornais nos anos correspondentes às pesquisas, mas sem nenhum sensacionalismo, já que uma divulgação equivocada pode causar conseqüências nefastas à preservação dos sítios arqueológicos. Além disso, começaram a ser divulgados os resultados das pesquisas desse período através das duas teses de doutorado já citadas e dos artigos “As Estruturas Arqueológicas de Terra no Estado do Acre - Amazônia Ocidental, Brasil. Um caso de resiliência?” de Ondemar Dias, que foi apresentado no Congresso de História Argentina em 2001 e “História Nativa do Acre” escrito por mim na Revista Povos do Acre – História indígena da Amazônia Ocidental da Fundação Elias Mansour em 2002. 4ª Fase – Sensacionalista – a partir de 2000; Nos anos de 1999 e 2000 a observação aérea de áreas desmatadas revelou uma nova face dos sítios arqueológicos com estruturas de terra. Suas grandes dimensões e, em muitos casos, suas formas geométricas perfeitas atiçaram a imaginação dos observadores que passaram a divulgar a ocorrência destes sítios com uma abordagem não científica e de grande apelo popular. Um tratamento bem ao gosto da mídia que logo se interessou por essa nova abordagem. Talvez possamos considerar que o marco inicial desta fase seja a matéria publicada pela revista “Isto É”, em 2000, que apesar de ter um conteúdo correto anunciava já em seu titulo de duplo sentido: “Outros Deuses Astronautas?” o que estava por vir. Assim, essa mesma matéria correlacionou os sítios acreanos com as famosas “Linhas de Nazca”, a que já nos referimos diversas vezes antes, e definiu o rumo dos acontecimentos posteriores. O extraordinário potencial demonstrado então por estes sítios para chamar a atenção da grande mídia a partir de uma abordagem sensacionalista, levou a intensa massificação das imagens e das fantasiosas teorias acerca destes sítios, que culminaram com a aplicação da mesma nomenclatura utilizada para Nazca (que nunca é demais ressaltar, não possui nada em comum com o caso acreano): “geoglífos”. Se por um lado esta nova realidade teve o mérito de difundir e popularizar o conhecimento destes sítios, por outro se mostrou extremamente perigosa por insistir na abordagem fantasiosa e sensacionalista, levando a uma grave distorção na compreensão que a sociedade acreana tem sobre o assunto. Ainda mais porque os neo-descobridores de geoglífos tentaram de todas as formas minimizar a importância das pesquisas anteriores de modo a dar maior destaque às suas próprias atividades. 5ª Fase – Novas pesquisas Todo o barulho que tem sido feito nos últimos anos sobre os “geoglífos” atraiu a atenção de diversos outros pesquisadores sobre o tema. O que é bom. Não se pode deixar de considerar muito interessante que outras equipes desenvolvam pesquisas com métodos e interpretações distintas daquelas que foram empregadas nos primeiros trinta anos de estudos sobre estes sítios arqueológicos. Até porque existe um intenso debate entre os seguidores da Dra. Betty Meggers (pioneira da arqueologia amazônica) e os seguidores da Dra. Anna Roosevelt (que tentam destruir tudo o que foi feito antes) acerca da interpretação da pré-história amazônica (para ver mais sobre o tema ver o artigo “Dos sonhos da ciência - ou, nos incluam fora dessa” de 2 de setembro de 2007 publicado nesta mesma coluna). Entretanto, também nesse campo é preciso muita atenção. É preciso discernir claramente quais os pesquisadores que estão seriamente interessados em estudar os sítios acreanos - como me parece ser o caso do Dr. Martti Parssinen da Universidade de Helsinki, que vem desenvolvendo uma série de pesquisas também na Bolívia – e quais aqueles que apenas estão interessados no que a pesquisa pode lhes render em termos de autopromoção. Além, é claro, de inconfessados interesses sobre o rico filão da arqueologia de contrato, especialmente depois que o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) anunciou uma série de grandes obras de infra-estrutura na região. Ou seja, hoje é muito fácil fazer um enorme barulho sobre esta ou aquela iniciativa econômica em andamento no Acre, pelo que pode causar de destruição de sítios arqueológicos, para depois atuar junto a estas empresas ou instituições nos trabalhos de diagnóstico e salvamento de vestígios arqueológicos, desde que muito bem remunerados, é claro. Uma ameaça indireta aos sítios e que nem sempre é percebida pelo grande publico ou pelos órgãos públicos envolvidos com a questão. Enfim, é extremamente necessário divulgar não só a existência dos extraordinários sítios geométricos acreanos, mas também a importância de sua preservação. Mas é preciso fazê-lo da forma e com a intenção correta. Ao contrário do que tem acontecido ultimamente. Por isso, nos próximos artigos desta série traremos a publico tudo o que até aqui se conhece sobre estes sítios acreanos, até porque as novas pesquisas que estão começando agora ainda vão demorar alguns anos para apresentarem resultados concretos, além da mera especulação.

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