domingo, 30 de agosto de 2009
A SAGA DE CHICO MENDES
Por: Clenaldo Freire Monteiro e Denise Schulthais dos Anjos Monteiro
Apresentação
A presente pesquisa surgiu da necessidade de levar às crianças, jovens e adultos um pouco da história de Francisco Alves Mendes Filho, o “ Chico Mendes”, filho da floresta brasileira, que por ela lutou , e pagou com a própria viva a sua perseverança em fazer deste mundo um espaço melhor para se viver.
Sua luta não se resumiu a melhorar as condições de vida do homem trabalhador, mas foi muito além. Ele lutou pela melhoria de vida de todas as pessoas do planeta, e por isso teve seu nome reconhecido internacionalmente e ganhou vários prêmios. O premio maior, entretanto, não está nas condecorações e nos discursos em que foi homenageado. Está na conscientização de que a vida tem maior valor quando se cuida da natureza.
Infelizmente enquanto Chico Mendes cuidava da vida da floresta, não cuidaram de sua vida. Hoje ele já não está entre nós e não faz parte da comunidade terrena, mas as sementes que plantou germinaram. Isso é que faz a sua vida tão breve ter tido um grande valor.
SUMÁRIO
1- QUEM FOI CHICO MENDES.................................................................
2- FATORES ECONÔMICOS DA REGIÃO AMAZÔNICA....................
3- UMA HISTÓRIA MAL CONTADA........................................................
4- O POVO COMEÇA A SE ORGANIZAR................................................
5- A ORIGINALIDADE DA LUTA..............................................................
6- PERSEGUIÇÃO E RESISTÊNCIA.........................................................
7- CHICO PREVÊ A PRÓPRIA MORTE E PEDE SEGURANÇA.........
8- CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................
9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................
10- ANEXOS......................................................................................................
CRONOLOGIA
1944-Nasce Francisco Alves Mendes Filho
1962- Chico conhece Euclides Fernando Távora, seu mestre
1962- Aos dezoito anos Chico inicia seu processo de alfabetização
1970- 1975- Chegam os fazendeiros do sul
1975- Eleito secretário geral do sindicato
1975- Início do processo de organização dos primeiros sindicatos rurais
1976- É realizada a primeira “trincheira”
1977- Eleito vereador pelo MDB
1977- Participa da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri
1979- Chico Mendes transforma a Câmara Municipal num grande fórum de debates
1979-Acusado de subversão é submetido a interrogatórios, sendo torturado.
1980- Assassinato do grande líder Wilson Pinheiro
1980- É enquadrado na Lei de Segurança Nacional
1980- Surge o “empate”
1982- Chico Mendes é candidato a Deputado Estadual pelo PT
1985- Criação do Conselho Nacional dos Seringueiros
1985- Primeiro Encontro Nacional de Seringueiros (Brasília)
1987- Chico denuncia a devastação ao senado norte-americano.
1987- Chico Mendes é premiado pela ONU como um dos mais importantes defensores da natureza
1987- Chico recebe prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais.
1987- Membros da ONU visitam Xapuri e comprovam a devastação da floresta
1988- Criação da Primeira Cooperativa Agoextrativista
1988- É aprovada por aclamação a tese “ Em defesa dos povos da floresta”
1988- Terceiro Congresso Nacional da CUT
1988- Morre Chico Mendes
1-QUEM FOI CHICO MENDES
Francisco Alves Mendes Filho nasceu em 15 de dezembro de 1944, no Seringal Porto Rico, Xapuri, no Acre. Desde os primeiros anos de vida, já acompanhava o pai, com quem aprendeu o ofício.
Conhecido por “Chico Mendes”, filho de um nordestino, não teve oportunidade de aprender a ler e escrever quando criança. Seu grande mestre foi Euclides Fernando Távora, que o ensinou a ler nos sábados e domingos, quando Chico já tinha cerca de dezoito anos de idade. Távora era um ex-oficial do Exército, um exilado político, com vinte e poucos anos, que vivia na selva, na clandestinidade que garantia sua liberdade.
O material usado para sua alfabetização foi números atrasados de jornais, os únicos que conseguiam chegar até o local. A leitura das notícias de trabalhadores socialistas e de outros países da América Latina despertou em Chico Mendes o interesse pela causa do trabalhador.
A importância que Chico Mendes dava a escolarização era tamanha, que inconformado com o analfabetismo da população, criou um grupo e alfabetizou cerca de cinqüenta pessoas.
Esse trabalho teve que ser interrompido devido às pressões sofridas pelo prefeito e pelo padre, que alegaram a formação de um grupo de agitadores. Entretanto, quando foi criada a cooperativa agroextrativista, novamente a importância da alfabetização como forma de liberdade do homem voltou à tona com a primeira escola de alfabetização dos seringueiros. Foi criada a Poranga, cartilha elaborada com o apoio do Cedi, de universitários e professores. O nome da cartilha se deu porque poranga é a luz que o seringueiro usa na cabeça para caminhar na selva.
Sobre a pessoa de Chico Mendes, analisando sua luta, as opiniões são divergentes, uma vez que para alguns, a referência maior foi sua dedicação à preservação da natureza. Para outros, o destaque se deu no âmbito político, em defesa do trabalhador. Cita Júlio Barbosa, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri:
No Brasil, existe um monte de ecologistas que defende a ecologia, mas defende da seguinte maneira: defende o verde, defende a não poluição das águas, defende a respiração do oxigênio puro. Mas em meio a esses ecologistas surgiu um que não foi formado em universidade nenhuma, que foi ecologista na prática, vivendo o dia-a-dia
( http://www.senado.gov.br/web/senador/marinasi/ch)
Chico Mendes casou-se com Ilzamar Mendes, em Xapuri, a 170 quilômetros de Rio Branco, no Acre, quando ela tinha 15 anos. Tiveram um casal de filhos: Elenira e Sandino.
A originalidade com que lutou a favor da justiça social e da preservação da natureza fez com que fosse reconhecido internacionalmente.
Homem simples, da floresta, conquistou a admiração de muitos, mas sua persistência e coragem atraíram desagrado e a ira de muitos, inclusive dos latifundiários e da UDR- União Democrática Ruralista. Para compreender como tudo ocorreu, é preciso conhecer um pouco da estrutura econômica.
2-FATORES ECONÔMICOS DA REGIÃO AMAZÔNICA
A economia da região apresenta características baseadas na extração de látex, onde a produção de borracha ocupa o primeiro lugar. Todavia, a falta de uma política de produção que envolve o comércio do produto causa muita polêmica.
Os seringueiros vivem de forma bastante modesta, ocupando casas construídas por eles próprios, que utilizam materiais da própria floresta. Quando questionado sobre sua proposta de preservação da Amazônia e ao mesmo tempo da necessidade de exploração dos produtos, Chico Mendes expôs seu pensamento a respeito:
Temos a castanha que é um dos principais produtos da região e que está sendo devastada pelos fazendeiros e madeireiras. Temos a copaíba, a bacaba, o açai, o mel de abelhas, uma variedade de árvores medicinais que até hoje não foram pesquisadas, o babaçu, uma variedade de produtos vegetais cuja comercialização e industrialização garantiria que a Amazônia, em dez anos, se transformasse numa região economicamente viável, não só para o país mas para o mundo. O que precisamos hoje é que o governo dê prioridade à industrialização desses produtos. (Entrevista realizada durante o 3º Congresso Nacional da CUT ( 9/9/88 )
3-UMA HISTÓRIA MAL CONTADA
Os índios eram considerados os legítimos donos da Amazônia, que a partir de 1877, começou a ser desbravada. Para isso, foram trazidos os nordestinos, que formaram um grupo semi-escravizado. Os nordestinos eram atraídos pela propaganda de que a borracha era uma mina e que logo retornariam a sua terra natal com bastante dinheiro.
Eram trazidos de navio até Belém, onde existia uma praça que funcionava como a sede principal dos seringalistas. Dali os nordestinos eram levados pelos “patrões” para a selva e não tinham como voltar.
Os seringalistas pertenciam a grupos mantidos por entidades internacionais e possuíam uma determinada área. A produção da borracha era marcada como forma de controle de cada lote. Esses nordestinos foram explorados pelos seringalistas, chamados “patrões”, que preparavam o nordestino para lutar contra os índios.
Os banqueiros internacionais, interessados na borracha da Amazônia, também faziam parte desse grupo contra os índios. Assim se inicia o conflito entre índios e brancos.Muitos grupos tribais foram massacrados. Com o fim do monopólio estatal da borracha, na década de 70, implantou-se o sistema latifundiário.
Chegam os fazendeiros do sul que espalham centenas de jagunços pela região, queimando barracos, matando pessoas, expulsando posseiros e índios. Em pouco tempo, a região estava sendo transformada em um enorme pasto.
4-O POVO COMEÇA A SE ORGANIZAR
Começa a nascer a consciência entre as pessoas, e os grupos iniciam uma organização. O processo é lento, a falta de esclarecimento é grande e impede que se agilizem ações mais rápidas. Mas junto com a Igreja Católica, são organizados os primeiros sindicatos rurais.
A região perdia a passos largos seus recursos naturais. Em cinco anos aproximadamente, castanheiras, árvores de madeira de lei e árvores medicinais foram destruídas pelo fogo e pelas motosserras. Era preciso agir com mais rapidez.
Desde a década de 70, os seringueiros mudavam-se para a capital do Acre, engrossando o cinturão de miséria. Via-se miséria, tráfico de drogas, prostituição e toda sorte de problemas, enquanto isso, na floresta, o solo era castigado, ficando improdutivo. Os projetos com recursos do exterior se ampliavam.
5-A ORIGINALIDADE DA LUTA
Um dos fatores que mais repercutiu na imagem de Chico Mendes foi a sua forma de organizar as lutas para combater a devastação da terra. Em 10 de março de 1976, para evitar que uma área fosse devastada, foi feito uma “trincheira” na selva.
(...) fazíamos um cordão de mãos dadas e cercávamos a área que estava sendo desmatada, não deixávamos os caras entrar e desmontávamos os seus acampamentos. Ninguém ia armado, quer dizer, tínhamos duas ou três pessoas armadas mas com a firme recomendação de só agir nas últimas conseqüências, no caso de estarem matando alguém. Nosso objetivo era tentar convencer os peões a ficar do nosso lado. E sempre conseguíamos a adesão. Agora, quando a polícia chegava, esses mesmos peões eram obrigados a ficar contra nós. Lembro de umas quatro vezes em que a gente foi preso e ficamos lá deitados no chão e eles batendo na gente e depois, todos ensangüentados, nos jogavam no caminhão, com muita gente junta, começávamos a cantar os hinos da Igreja. Chegávamos na delegacia, mais de cento e tantos homens, não tinha lugar para alojar todo mundo e ficávamos pelos corredores. A polícia cercava o prédio e, por fim, tinham que nos liberar. (idem).
Surge em 1980, o famoso “empate” que consistia em formar um mutirão de pessoas que se colocavam diante dos peões, impedindo assim que avançassem no desmatamento. Participaram do movimento homens, mulheres e crianças. As crianças eram colocadas como escudo, evitando que os pistoleiros atirassem.
Nessas ocasiões, Chico Mendes e outros representantes conversavam com os peões, que por muitas vezes passaram a ficar do lado do movimento. Entretanto, os fazendeiros contratavam a polícia, que agia sem piedade. Muita pancadaria e muitas prisões foram efetuadas.
Em 1982, Chico Mendes se lança candidato a Deputado Estadual pelo PT. Em outubro de 1985 ocorre o Primeiro Encontro Nacional de Seringueiros em Brasília. Desse encontro participaram observadores nacionais e estrangeiros. Índios e seringueiros se uem em busca de propostas. Essa união fortificou o sindicato.
A situação foi denunciada por Chico Mendes, quando participou de reunião do BID-Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Maiame, no ano de 1987.Ele falou do desmatamento como conseqüência dos projetos financiados pelos bancos internacionais, e conseguiu sensibilizar o Congresso Americano. O banco suspende o resto do desembolso para o asfaltamento da estrada, o que representou grande avanço do Conselho Nacional dos Seringueiros e nas propostas dos índios.
Chico Mendes recebeu vários prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais pela defesa da ecologia.
6- PERSEGUIÇÃO E RESISTÊNCIA
Em 1977, Chico sendo vereador, recebe as primeiras ameaças vindas dos fazendeiros. Seu partido político- MDB- não é solidário às suas lutas. Em 1979, a Câmara Municipal serve de local para debates entre lideranças, o que não agradou a diversas autoridades do governo.
Chico Mendes é enquadrado na Lei de Segurança Nacional em 1980, e no ano seguinte é acusado de insitar a violência entre os posseiros. Foi julgado no tribunal Militar em Manaus. Todavia, foi absolvido.
O ano de 1988 assistiu a uma série de atos violentos e assassinatos. Os crimes não eram apurados e a insegurança tomava conta do local. Com tantas perseguições e ameaças, não foi difícil Chico Mendes e as pessoas que com ele conviviam prever que algo de ruim iria acontecer.
7-CHICO PREVÊ A PRÓPRIA MORTE E PEDE SEGURANÇA
Um dia Chico Mendes afirmou:
Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.
O governador colocou dois seguranças para acompanhar Chico Mendes, que menciona sua preocupação e denuncia a situação no Jornal do Brasil
Minha segurança ultimamente foi reforçada no Acre por decisão do governador Flaviano Melo. Ele sabe que meu assassinato vai complicar a situação do Estado. Não que a morte de seringueiro no Acre seja novidade. Mas é que nosso movimento tornou-se conhecido mundialmente. Principalmente junto às autoridades do Banco Mundial, do BID e do Congresso Americano. Ora, não se bate de frente nessas entidades. Hoje minha vida passa pelos policiais da PM.
Tenho tido uma relação amigável com os meus ‘seguranças’. Eu tenho consciência de que todas as lideranças populares nesses últimos dez anos- advogados, padres, pastores, líderes sindicais - todos eles foram mortos mesmo com garantia de vida do governo. Não precisa nem citar exemplos, pois eles estão vivos na memória de todos. Tenho esperança de continuar vivo. É vivo que a gente fortalece essa luta. De parte do governo do Estado não tenho por que temer. Pelo contrário. Agora, por outro lado, eu estou diante de dois inimigos poderosos: a UDR e a Polícia Federal do Acre.(Jornal do Brasil-09/12/1988).
Apesar de seus apelos, e da segurança oferecida pelos dois policiais militares, Chico Mendes foi assassinado com um tiro de escopeta, quando estava no quintal de sua casa, no dia 22 de dezembro de 1988. Chico Mendes deixou sua esposa Ilzamar e dois filhos menores.
Ao saber do crime - que ganhou repercussão internacional -, Ilzamar abraçou os filhos pequenos, então com 4 e 2 anos, e foi até o local do crime. "O choque foi grande", lembra ela, que perdeu noites de sono e emagreceu quase dez quilos nos meses seguintes. Foi com os filhos que ela encontrou forças para dar a volta por cima. "Era uma espécie de mãe e pai e não podia abandoná-los naquele momento", diz.
Mas também não deixou para trás as causas do marido, conhecido em todo o mundo como defensor dos povos da floresta amazônica. Cinco dias depois da morte, começou a erguer a Fundação Chico Mendes, de defesa do meio ambiente, que preside.
Desde a morte do marido, Ilzamar se empenhou em lutar pela punição dos assassinos. "Só
sosseguei quando eles foram presos", diz, referindo-se a Darci e Darly Alves da Silva.
( http://www.terra.com.br/istoe/semana/138718.htm)
8-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lembrando as palavras de Euclides Fernando Távora, mestre de Chico Mendes: “(...)hoje os trabalhadores estão sendo rechaçados, mas por maior que seja o massacre sempre existirá uma semente que renascerá”*
Apresentamos a seguir trechos de documentos e notícias sobre o homem simples, o brasileiro da floresta, que tornou-se imortal pela sua luta e que acreditou que podemos fazer deste um mundo muito melhor.
Lembrando ainda as palavras do próprio Chico Mendes: “Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena.” * Essa fala não carece comentários, pois fica na compreensão de cada um analisar o que foi a vida de Chico Mendes, e perceber que ele semeou muito mais que árvores e foi além do solo da terra. Ele encontrou a fertilidade no coração de muitos homens, mulheres e crianças.
Os autores
MONTEIRO, Clenaldo Freire; MONTEIRO,Denise Schulthais dos Anjos. A saga de Chico Mendes. Fevereiro/2001.
denise1@ieg.com.br
c-monteiro@ieg.com.br
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