A REVOLUÇÃO ACREANA E A “GLORIOSA” ORIGEM DO ACRE
“A noção da origem está ligada, sobretudo, à idéia da perfeição e beatitude” (ELIADE, 1994, p. 52).
“Não se deve mais procurar o ponto de origem absoluta, ou de revolução total, a partir do qual tudo se organiza, tudo se torna possível e necessário, tudo se extingue para recomeçar” (FOUCAULT, 2005, p. 165).
“A origem é o exagero metafísico que reaparece na concepção de que no começo de todas as coisas se encontra o que há de mais precioso e de mais essencial” (FOUCAULT, 2001, p. 18).
“É meu projeto mais antigo. Sempre quis escrever essa história. É uma das páginas mais bonitas da história do Brasil” (Escritora Glória Perez no encarte do DVD “Amazônia: de Galvez a Chico Mendes)
Já foi visto que a história do Acre sob a ótica da descontinuidade pode abrigar várias gêneses e que qualquer começo é pura convenção sustenta politicamente. Por isso, a discussão sobre a origem será considerada vencida, e a partir daqui se esboçará uma crítica à “áurea” que a envolve.
A historiografia tradicional cobriu a origem do Acre de “glória”. As festas cívicas organizadas corriqueiramente pelo Governo do Estado são provas disso. O que chama a atenção é o fato de uma guerra ser significada como magnífica, gloriosa, maravilhosa etc. Não há nada positivo em uma “fábrica de mortos”. A guerra é símbolo da barbárie. É a forma mais animalesca de resolver conflitos sociais. Não há maior elogio à desrazão do que a guerra.
O capitalismo se alimenta de guerras e, em muitos casos, elas se tornam para ele uma necessidade vital. Sendo o império do egoísmo e da ambição, esse sistema produtivo foi quem melhor expressou os mais vis instintos humanos. Nele, violência vira espetáculo de patriotismo e os assassinatos, cenas de heroísmo. É na guerra que os mais mesquinhos apetites humanos são expostos à consagração da história (MICELI, 1994), que a tudo dá uma justificativa nobre.
No caso Acre não foi diferente, basta dizer que tudo aconteceu durante a famigerada fase imperialista do capital, onde a “encarniçada” disputa por fontes de matérias-primas e áreas de influência foram levados ao extremo. O capitalismo se mostrava voraz e impulsionava as nações à pavorosa busca do lucro desmedido. Não foi por menos que Tocantins (2001, V.II, p. 30) diz que a grande desgraça da Bolívia foi ter no Acre grandes riquezas. Sem a borracha, os “patriotas” não teriam lutado “heroicamente” por esse torrão.
No final do século XIX, as terras que hoje representam o Acre se tornaram um dos principais alvos do capital financeiro internacional. Isso por que elas eram as maiores fontes naturais de látex, elemento essencial à indústria pneumática. “No rush da borracha, o capital estrangeiro correu para a Amazônia e foi investido de mil maneiras” (REIS, 1982, p.127).
Por isso, que do ponto de vista macroeconômico, acredito não ser errado dizer que o Acre foi fruto da consolidação do processo de expansão capitalista na Amazônia. A economia gomífera integrou de vez a região ao mercado internacional. E onde o vírus do capital se instala não há ética, nem heroísmo e nem patriotismo, o que impera são os múltiplos interesses econômicos pela atividade produtiva que tá dando lucro. E para se dar bem o homo aeconomicus já provou que é capaz de tudo, até matar e escravizar o próximo se for o caso. E não há do que se preocupar, a história e os escribas do poder estão aí para justificar os males do processo de aquisição da riqueza concomitantes ou a posteriori de toda “lambança”.
Não vamos esquecer que foi o capital quem abriu as veias amazônicas e alojou nelas os migrantes. Foi ele quem patrocinou todo o sistema de aviamento, que permitiu a integração daquelas terras ao mercado econômico mundial. Foi ele quem seduziu bolivianos e nordestinos a lutaram pelas “migalhas” dos rios de dinheiro que fluíam das haveas brasiliensis rumo à Europa e aos EUA. Sem o capital internacional o Acre não teria ganhado forma. Sem os múltiplos interesses econômicos pela região não haveria Revolução Acreana.
A análise da migração para o Acre mostra, no seu contexto econômico e político, que neste primeiro momento foi o grande capital industrial que levou o trabalho para as áreas remotas onde se encontrava a matéria-prima necessária à sua expansão (CEDEPLAR/MG, 1979, p.39) [grifo nosso].
Em relação ao “deserto ocidental” a história oficial nega o óbvio, ou seja, que “todos os movimentos armados ou diplomáticos pela posse do Acre [...] foram motivados pela riqueza” (SOUZA, 2002, p. 148). As guerras capitalistas não têm suas origens no idealismo de seres “iluminados”, até por que se fossem iluminados de fato, jamais participariam de uma guerra.
Se a motivação foi ignóbil, as conseqüências dela não poderiam ser piores: semi-escravidão, assassinatos, corrupção etc. Tudo mostra que o momento inaugural do Acre foi de extrema violência. Coube aos escribas do poder expurgar tudo isso da memória acreana através de uma narrativa épica canonizada como história. Eles, porém, não se deram conta que tal “ficção científica” seria mais uma forma de violência, só que agora, simbólica.
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