Por: Marcos Vinícius Neves

Nesta semana e na próxima, a minissérie “Amazônia...” está mostrando o período da Batalha da Borracha. Um episódio extremamente importante da história do Brasil, mas ainda muito pouco conhecido fora das regiões Norte e Nordeste. Uma ótima oportunidade para, mais uma vez, chamar a atenção sobre a enorme injustiça cometida contra milhares de trabalhadores brasileiros que acreditaram e foram enganados pelo governo, num dos episódios mais dramáticos de nossa história.
Os insuspeitos perigos da guerra
A segunda grande guerra mundial, em fins de 1941, estava tomando rumos muito perigosos. Além de não conseguir conter a ofensiva alemã, os paises aliados viam o esforço de guerra consumir rapidamente seus estoques de matérias primas estratégicas. E nenhuma situação era mais preocupante do que a da borracha, cujas reservas estavam tão baixas que o governo americano se viu obrigado a tomar uma série de duras medidas internas. Toda a borracha disponível deveria ser utilizada somente pela maquina de guerra.
A entrada do Japão no conflito, a partir do ataque de Pearl Harbour, impôs o bloqueio definitivo dos produtores de borracha. Já no principio de 1942 o Japão controlava mais de 97% das regiões produtoras asiáticas, tornando critica a disponibilidade da borracha para a indústria bélica dos aliados.
Por estranho que possa parecer foi essa seqüência de acontecimentos, ocorridos em sua maioria no hemisfério norte ou do outro lado do Oceano Pacífico, que deu origem no Brasil à quase desconhecida Batalha da Borracha. Uma história de imensos sacrifícios para milhares de brasileiros mandados para os seringais amazônicos em nome da grande guerra que conflagrava o mundo civilizado. Um capítulo obscuro e sem glórias de nossa história que só permanece vivo na memória e no abandono dos últimos soldados da borracha.
Os Acordos de Washington
Quando a extensão da guerra ao Pacífico e ao Indico, interrompeu o fornecimento da borracha asiática as autoridades norte-americanas entraram em pânico. O Presidente Roosevelt nomeou uma comissão para estudar a situação dos estoques de matérias-primas essenciais para a guerra. E os resultados obtidos por essa comissão foram alarmantes:
“De todos os materiais críticos e estratégicos, a borracha é aquele que apresenta a maior ameaça à segurança de nossa nação e ao êxito da causa aliada (...) Consideramos a situação presente tão perigosa que, se não se tomarem medidas corretivas imediatas, este país entrará em colapso civil e militar. A crueza dos fatos é advertência que não pode ser ignorada” (Comissão Baruch).
As atenções do governo americano se voltaram então para a Amazônia, grande reservatório natural de borracha, com cerca de 300.000.000 de seringueiras prontas para a produção de 800.000 toneladas de borracha anuais, mais que o dobro das necessidades americanas. Entretanto, nessa época, só havia na região cerca de 35.000 seringueiros em atividade com uma produção de 16.000 a17.000 toneladas na safra de 1940-41. Seriam necessários, pelo menos, mais 100.000 trabalhadores para reativar a produção amazônica e eleva-la ao nível de 70.000 toneladas anuais no menor espaço de tempo possível.
Para alcançar esse objetivo ocorreram intensas negociações entre autoridades brasileiras e norte-americanas que culminaram com a assinatura dos Acordos de Washinton. Ficou acertado então que o governo americano passaria a investir fortemente no financiamento da produção de borracha amazônica, enquanto ao governo brasileiro caberia o encaminhamento de milhares de trabalhadores para os seringais, no que passou a ser tratado como um heróico esforço de guerra. Tudo ótimo enquanto as coisas estavam no papel, mas muito complicadas quando chegou a hora de pô-las em prática.
A Batalha da Borracha
Para o governo brasileiro era juntar a fome com a vontade de comer, literalmente. Somente em Fortaleza cerca de 30.000 flagelados da seca de 41-42 estavam disponíveis para serem enviados imediatamente para os seringais. Mesmo que de forma pouco organizada o DNI (Departamento Nacional de Imigração) ainda conseguiu enviar para a Amazônia, durante o ano de 1942, quase 15.000 pessoas, sendo a metade de homens aptos ao trabalho.
Eram os primeiros soldados da borracha. Simples retirantes que se amontoavam com suas famílias por todo o nordeste fugindo de uma seca que teimava em não se acabar. O que era, evidentemente, muito pouco diante das pretensões norte-americanas.
O problema era a baixa capacidade de transporte das empresas de navegação dos rios amazônicos e a pouca disponibilidade de alojamento para os trabalhadores em transito. Mesmo com o fornecimento de passagens do Loyd, com a abertura de créditos especiais pelo governo brasileiro e com a promessa do governo americano de pagar U$ 100 por cada novo trabalhador instalado no seringal as dificuldades eram imensas e pareciam intransponíveis.
Isso só começou a ser solucionado em 1943 através do investimento maciço que os americanos fizeram na SNAPP (Serviço de Navegação e Administração dos Portos do Pará) e da construção de alojamentos espalhados ao longo do trajeto a ser percorrido pelos soldados da borracha.
Para acelerar ainda mais a transferência de trabalhadores para a Amazônia e aumentar significativamente sua produção de borracha os governos norte-americano e brasileiro encarregaram diversos órgãos da realização da “Batalha da Borracha”.
Pelo lado americano estavam envolvidas a RDC (Rubber Development Corporation), a Board of Economic Warfare, a RRC (Rubber Reserve Company), a Reconstruccion Finance Corporation e a Defense Supllies Corporation. Enquanto que pelo lado brasileiro foram criados o SEMTA (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia), depois substituída pela CAETA (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia), a SAVA (Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico) e o BCB (Banco de Crédito da Borracha), entre outros.
Esses novos órgãos, em muitos casos, se sobrepunham a outros já existentes como o DNI e não precisamos de muito esforço para imaginar o tamanho da confusão oficial que se tornou essa tal Batalha da Borracha.
A ilusão do paraíso
Em todas as regiões do Brasil aliciadores tratavam de convencer trabalhadores a se alistar como soldados da borracha para auxiliar na vitória aliada. Alistamento, recrutamento, voluntários, soldados, esforço de guerra, se tornaram termos comuns no cotidiano popular. A mobilização de trabalhadores para a Amazônia realizada pelo Estado Novo foi revestida por toda a força simbólica e coercitiva que os tempos de guerra possibilitavam.
No nordeste, de onde deveria sair o maior numero de soldados, o SEMTA convocou padres, médicos e professores para o recrutamento de todos os homens aptos ao esforço de guerra que tinha que ser empreendido nas florestas amazônicas.
O artista suíço Chabloz foi contratado para produzir material de divulgação acerca da “realidade” que os esperava. Nos cartazes coloridos os seringueiros apareciam recolhendo baldes de látex que escorria como água de grossas seringueiras. Todo o caminho que levava do sertão nordestino, seco e amarelo, ao paraíso verde e úmido da Amazônia estava retratado naqueles cartazes repletos de palavras fortes e otimistas. O bordão “Borracha para a Vitória” tornou-se o emblema da mobilização realizada por todo o nordeste.
Histórias de enriquecimento fácil circulavam de boca em boca. “Na Amazônia se junta dinheiro com rodo”. Os velhos mitos do Eldorado amazônico voltavam a ganhar força no imaginário popular. O paraíso perdido, a terra da fartura e da promissão, onde a floresta era sempre verde e a seca desconhecida. Os cartazes mostravam caminhões carregando toneladas de borracha colhidas com fartura pelos trabalhadores. Imagens coletadas por Chabloz nas plantações da Firestone na Malásia, sem nenhuma conexão com a realidade que esperava os trabalhadores nos seringais amazônicos.
Mas, perder o que? Afinal de contas - espalhadas pelas esquinas, nas paredes das casas e nos bares - a colorida propaganda oficial garantia que todos os trabalhadores teriam passagem grátis e seriam protegidos pelo SEMTA.
Quando nem todas as promessas e quimeras funcionavam, sempre restava o bom e velho recrutamento forçado de jovens. A muitas famílias do sertão nordestino foram dadas somente duas opções: ou seus filhos partiam para os seringais como soldados da borracha ou então deveriam seguir para o front lutar contra os italianos e alemães. Muitos preferiram a Amazônia.
Texto publicado na revista História Viva, nº 8 , junho de 2004.
OBS: Disponível em http://www2.uol.com.br/pagina20/25032007/historia.htm
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