terça-feira, 11 de junho de 2013

Thaumaturgo Azevedo e o Acre (Por Hiram Reis e Silva) Parte 1

Em 1895, o Ministro da Bolívia no Brasil, Frederico Diez de Medina, propôs ao Governo brasileiro que se prossiga na demarcação. Foi assinado, a 19 de fevereiro, o respectivo Protocolo, composto de 2 artigos apenas. O primeiro deles nomeava os comissários e o segundo fixava para todos os efeitos a nascente do Javari na posição que lhe atribuíram Tefé e Blake em 1874: 07°01’17,5” de Latitude Sul e 74°08’27,7” de Longitude Oeste. Os comissários bolivianos nomeados foram o Coronel Juan Manoel Pando e o Engenheiro Carlos Satchell e do Brasil o Tenente-Coronel Gregório Thaumaturgo de Azevedo e o Capitão-Tenente Augusto da Cunha Gomes.
A 29 de setembro do mesmo ano de 1895, encontram-se os comissários em Caquetá, iniciando, logo em seguida, os trabalhos geodésicos. A correspondência trocada entre os dois primeiros comissários, Thaumaturgo e Pando, sobre as observações astronômicas procedidas no local, demonstram claramente, desde o início, o esforço boliviano de defender seu ponto de vista, enquanto o brasileiro, sem se afastar da verdade, procura resguardar os interesses nacionais. As teses são admiráveis. Thaumaturgo, todavia, se destaca pela firmeza de suas convicções, e pela lógica indiscutível com que argumenta para provar a certeza de seus cálculos e pelo grande conhecimento científico que demonstra. É o homem certo no lugar certo com um único objetivo que é de não ceder uma polegada do território nacional.
Thaumaturgo relata ao Ministro do Exterior, Carlos de Carvalho:
Em primeiro lugar, afirmo que o Sr. Barão de Tefé não foi a cabeceira do Jaquirana; ele mesmo confessa, e, por conseguinte, as coordenadas dessa nascente não foram calculadas por observações no lugar, mas somente estimadas; acrescendo não ter ele cumprido o §10 de suas Instruções que determinava chegar a exploração pelo menos até 7°30’. 
Em segundo lugar informações de moradores do Javari dão como certo que o Jaquirana vai mais além do ponto determinado pelo Sr. Barão de Tefé e também que esse Jaquirana não é o prolongamento do Javari, mas sim um afluente dele; que o verdadeiro Javari é o Galvez hoje pertencente ao Peru, em virtude do acordo estabelecido pela 1° Comissão Demarcadora, e para isto dizem que as águas deste são da mesma cor que as do Javari, ao passo que as do Jaquirana são escuras.
Ora, como nenhuma das Comissões foi à cabeceira destes Rios, ignora-se ainda qual e o que vai mais ao Sul para ser considerado o ponto terminal da linha geodésica que limita o Brasil com a Bolívia de acordo com o Tratado vigente. 
Em terceiro lugar, a opinião de Paz Soldan, do Sr. Barão de Ladário e do próprio Coronel Pando, ex-chefe da Comissão boliviana, é que o Javari vai além de 7°30’. Em terceiro lugar, a opinião de Paz Soldan, do Senhor Barão do Ladário, e ainda do próprio Coronel Pando é que o Javari vai mais além de 07°30’. Resta agora que a Comissão incumbida de explorar a nascente principal do Javari atinja a sua verdadeira origem. (AZEVEDO, 1953) 
Thaumaturgo, que contava com o apoio de Carlos de Carvalho, procurava evitar que o território pátrio fosse mutilado perdendo uma área, que calculou, de 5.870 léguas quadradas. No seu relatório Thaumaturgo tece considerações de ordem econômica; faz comentários sobre a problemática social; aponta medidas para resguardar os interesses do Brasil.
Carlos de Carvalho é substituído, nesse ínterim, pelo General Dyonizio Evangelista de Castro Cerqueira que contraria a posição do velho camarada, em documento tornado público. Thaumaturgo contesta, com vigor, a posição de Dyonizio e se demite das funções. A demissão mesmo antes de ser oficializada é estampada na mídia escrita numa clara afronta e desrespeito ao insigne militar ganhando foros nacionais alastrando-se por todos os rincões do país.
Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia, n° 243. Manaus, 2 de janeiro de 1897.
Sr. Governador - Chegando ao meu conhecimento que o Sr. Ministro das Relações Exteriores vos dirigiu um longo ofício em que trata da Comissão de Limites de que sou o 1° Comissário, e no qual me são feitas graves acusações em relação à nascente do Rio Javari, rogo-vos, em bem dos interesses do país e do próprio Estado do Amazonas, que mandeis dar-me por cópia o mesmo ofício, letra por letra, se não contiver nenhuma forma reservada. 
Gregório Thaumaturgo de Azevedo, Coronel Chefe da Comissão. (AZEVEDO, 1953)
Dyonizio de Cerqueira não se deixa convencer pela irrefutável Lógica Cartesiana de Thaumaturgo de Azevedo que determinava que antes de se partir para uma demarcação definitiva se definisse exatamente a nascente do Javari. O novo Ministro das Relações Exteriores mantém-se aferradamente ao Tratado de 1867, cuja exata interpretação fazia questão de desconhecer.
Capitão Tenente Augusto Cunha Gomes 
O Ministro, pressionado pelos membros do Instituto Histórico e Geográfico, do Instituto Politécnico, Clube Militar e pela opinião pública que se manifestaram a favor do oficial demissionário, incumbe o Capitão Tenente Cunha Gomes, 2° Comissário Brasileiro, de efetuar a Re-exploração do Javari. O levantamento de Cunha Gomes foi consolidado no relatório de 11 de janeiro de 1898, mostrando que a diferença encontrada não excedeu a 10”. Tefé não errara como acreditava Thaumaturgo no desejo de salvar a situação das terras, onde vivia uma já considerável parcela da população brasileira. Thaumaturgo tinha proposto uma revisão do Tratado tendo em vista que pairavam sérias dúvidas quanto à precisão dos limites e, principalmente porque a região ao Sul da linha demarcatória era povoada por brasileiros que haviam recebido seus lotes de terras e títulos definitivos pelo Governo do Amazonas. Thaumaturgo recebeu apoio incondicional de Rui Barbosa, do Instituto Politécnico Brasileiro, da Sociedade Nacional de Geografia e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Thaumaturgo de Azevedo dá continuidade a seus ataques na imprensa e denúncia o grande erro e a pusilanimidade da diplomacia brasileira, dando origem a uma crise que mobilizou a opinião pública nacional.
A pressão popular acabou forçando o Ministro do Exterior a criar uma nova Comissão chefiada pelo Capitão-Tenente Augusto da Cunha Gomes com a missão precípua de identificar a real nascente do Rio Javari. Em 11 de janeiro de 1898, Cunha Gomes enviou seu relatório, informando que:
No dia seguinte, 24 de Agosto (1897), depois do almoço, partiu às dez horas da manhã a turma encarregada de abrir o caminho, sendo feita antes a fotografia da Expedição e, meia hora depois partimos cheios de confiança de em breve chegar às nascentes do Rio Javari. 
Os sofrimentos que suportou todo o pessoal da Expedição pelas dificuldades materiais a vencer foram em extremo, como mostrou o estado em que com ele cheguei ao Rayo, e só devido à boa vontade que todos tinham em bem cumprir o seu dever pude atingir as nascentes do Rio Javari depois de oito dias de penosa marcha por entre uma floresta virgem, cheia de perigos, subindo e descendo montanhas, algumas de mais de quinhentos metros de altura, cruzando precipícios sobre simples troncos roliços de árvores, lançadas na ocasião de margem a margem, sempre acompanhando o Rio em suas múltiplas e caprichosas sinuosidades. 
Todas as vezes que o Rio Jaquirana se dividia, procedia-se à avaliação dos volumes d’água e subia-se o mais volumoso. 
Assim Sr. Ministro, chegou a Expedição que dirijo, às dez horas e trinta minutos da manhã do dia 31 de Agosto, às nascentes do Rio Jaquirana ou Alto-Javari com geral e grande contentamento. 
Nasce o Rio Jaquirana ou Alto-Javari de dois olhos d’água ou vertedouros no fundo de uma grande grota formada por dois altos contra-fortes de uma grande serra. 
Aos sessenta e seis metros de distância, estes dois vertedouros se reúnem formando pequeno regato, que cai logo em cachoeira de 4,50 m de altura, deixando em sua base pequena Bacia.
Segue pela grota abaixo em córrego encachoeirado, recebendo, de um e outro lado, filetes d’água até a distância de 198 metros, onde se precipita, formando uma queda d’água de 12 metros de altura; continua em torrente encachoeirada e violenta por mais cinco metros, dividindo-se aí em duas fortes quedas d’água, tendo a da direita 27,8 m de altura e a da esquerda 37,3 m as quais formam em sua base uma bela Bacia, cavada em leito de pedra. Destas quedas mandei fazer fotografias. (GOMES)
Dyonizio de Cerqueira, baseado no Relatório de Cunha Gomes, argumentou, junto aos representantes bolivianos que era necessário se fazer a retificação dos trabalhos de demarcação realizados anteriormente tendo em vista que a nascente do Javari não estava na posição atribuída em 1895. 
“O Iniciador da Questão do Acre”
Gregório Thaumaturgo de Azevedo, filho de Manuel de Azevedo Moreira de Carvalho e de Dona Angélica Florinda Moreira de Carvalho, nasceu em Barra do Maratauan, Província do Piauí, a 17 de novembro de 1853, e faleceu no Rio de Janeiro, a 23 de agosto de 1921. Com menos de 15 anos matriculou-se na Escola Militar, concluindo, em 1877, o Curso de Engenharia, e recebendo no ano imediato o grau de Bacharel em Matemáticas e Ciências Físicas e Naturais. Galgou a seguir brilhantemente todos os Postos do Exército até o de Marechal.
Foi Secretário da Comissão de Limites entre o Brasil e a Venezuela, Comandante Geral das Fronteiras e Inspetor das Fortificações, Diretor das Obras Militares em Pernambuco, onde se matriculou na Faculdade de Direito, tomando o grau em 1889; Presidente do Estado do Piauí, Governador do Estado do Amazonas, onde, tendo encontrado o Governo em débito de dois mil e trezentos contos, pagou-os em quatro meses, deixando nos cofres do Tesouro o saldo de mais de dois mil e vinte e três contos, em seis meses de Governo. 
Voltando ao Rio, foi reformado, preso e desterrado pelo Governo Floriano. No Governo de Prudente de Moraes foi nomeado Chefe da Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia, quando iniciou a “Questão do Acre” para não fazer demarcações contra o Brasil, demitindo-se da Comissão por não concordar em ceder vasta área à Bolívia.
Foi ainda Secretário do Ministro da Guerra, Prefeito Alto-Juruá, tendo fundado a cidade de Cruzeiro do Sul; Comandante da Região Militar da Bahia, Vice-presidente da Exposição Nacional de 1908, Comandante da Brigada Policial, da Região Militar de Mato Grosso, Inspetor da arma de infantaria. 
Deputado Federal em quatro legislaturas pela oposição do Amazonas. Apresentado para de novo governar esse Estado, não chegou a tomar posse devido à grave enfermidade. Em 1921, foi novamente eleito para esse cargo, opondo-se a isso até o próprio Supremo Tribunal, que deu o caso como político.
Foi Presidente da Cruz Vermelha por 10 anos, deixando-lhe um patrimônio de cerca de 3.000 contos de réis, tendo-a recebido sem patrimônio e sem sede própria. Era condecorado com as ordens de Cristo, Rosa, Simão Bolívar, Aviz, grande placa de honra e mérito da Cruz Vermelha Cubana e medalha de ouro de Serviço Militar.
Sócio de várias associações nacionais e estrangeiras. Escreveu: “O Acre”, “Limites do Brasil” no Livro do Centenário, “1° Congresso Americano da Criança” (legislação industrial), diversos relatórios, representações, etc. Foi um dos mais brilhantes, estudiosos, ilustrados e úteis oficiais do Exército Brasileiro, a par de abnegado patriota e humanitário homem de sociedade. A sua Fé de Ofício ressalta de bons serviços e atos de grande cunho cívico e rara altivez militar. (AZEVEDO, 1953)
Reproduziremos a seguir os patrióticos e incontestáveis argumentos do Marechal Thaumaturgo de Azevedo nos quais ele advoga seu protesto público contra a entrega do Acre à Bolívia. Graças ao “Iniciador da Questão do Acre” se seguiram manifestações eloquentes, no Parlamento brasileiro, como as do grande Rui Barbosa, as arrojadas investidas guerrilheiras de Plácido de Castro contra as forças regulares bolivianas e à irrefutável e competente diplomacia de Rio Branco. Utilizei-me de uma publicação editada pelas Oficinas Gráficas da D.S.G. (Diretoria do Serviço Geográfico) do Ministério da Guerra, de 17 de novembro de 1953, em homenagem ao Centenário do Nascimento do Marechal e, por uma feliz coincidência, ao Cinquentenário da assinatura do Tratado de Petrópolis. 
THAUMATURGO DE AZEVEDO 
Limites
Entre
o Brasil e a Bolívia 
 
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Oficinas Gráficas da D.S.G.
Ministério da Guerra - Brasil - 1953
Limites entre o Brasil e a Bolívia 
Do Amazonas a esta Capital tenho sido interpelado pelos motivos que me levaram a exonerar-me de chefe da Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia em cujo exercício estive de 1895 a 1897, e a todos tenho dito que oportunamente, a despeito das versões que correram em minha ausência, conheceriam esses motivos.
Hoje, que se acha publicado o relatório do Ministério do Exterior, e chegado o momento de fazer surgir toda a verdade, defendendo-me de acusações intempestivas, e calando a boca dos maldizentes.
Ao atual Sr. Ministro das Relações Exteriores, no relatório que lhe dirigi a 6 de março, disse que só aceitei a responsabilidade de presidir essa Comissão para provar a minha solidariedade ao Governo do Sr. Presidente da República e corresponder a confiança do ilustre Sr. Dr. Carlos de Carvalho, então Ministro daquela pasta.
Não obstante os sacrifícios que experimentei durante dois anos de trabalhos, continuaria a prestar meus serviços nessa Comissão, se esse notável cidadão não tivesse deixado a pasta que brilhantemente dirigia, e se com o seu sucessor não aparecesse alguma incompatibilidade, como de fato apareceu.
Assim é que, desde 1890, estando de relações interrompidas com o atual Sr. Ministro, por motivos que não vem ao caso lembrar, aguardava que S. Exª se manifestasse por qualquer ato, a fim de poder avaliar o grau de confiança que lhe merecia, e nessa conformidade pautar o meu procedimento.
A 31 de dezembro, desembarcando em Manaus de volta do interior do Estado, soube que o Governador tinha recebido um despacho no qual o Sr. Ministro do Exterior me censurava pela minha insistência; em declarar não estar descoberta a nascente principal do Rio Javari.
É isto que nos termos precisos ignorava, não acontecia em relação aos comentários correntes, vindo dizer-me diversos amigos que o dito despacho era deprimente do meu critério; acrescendo que o Governador permitia que a Federação, órgão oficial, também me censurasse.
Reconheci logo a intenção do Sr. Ministro em deslocar-me da Comissão, deixando-me em posição insustentável e desta sorte obrigando-me a pedir exoneração.
Resolvi antecipar as medidas que supunha de vantagem para a Comissão e o País, e por isso a 1° de janeiro dirigi-lhe o seguinte ofício dando conta dos trabalhos da demarcação:
N° 70 - Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia-Manaus, 1° de janeiro de 1897.
Sr. Ministro - Cumpre-me enviar-vos as três Atas em original das conferências que esta Comissão teve com a Boliviana para ratificação dos trabalhos de demarcação da linha de fronteira do Brasil com a Bolívia nos Rios Aquiri ou Acre, Yaco ou Iaco e Alto-Purus, e por elas vereis que as posições geográficas dos Marcos nesses Rios, são:
Rio Aquiri ou Acre 
Margem direita
Latitude 9°33’54” Sul/Longitude 67°30’17,5” Oeste de Greenwich (ou 24°19’56,5” Oeste Observatório do Rio de Janeiro)
Margem esquerda:
Latitude 9°33’51” Sul/Longitude 67°30’25,5” Oeste de Greenwich (ou 24°20’04,5” Oeste Observatório do Rio de Janeiro)
Rio Yaco ou Iaco 
Margem direita:
Latitude: 9°08’13,5” Sul/Longitude 68°38’53” Oeste de Greenwich (ou 25°28’32” Oeste Observatório do Rio de Janeiro)
Margem esquerda:
Latitude: 9°08’11” Sul/Longitude 68°38’58” Oeste de Greenwich (ou 25°28’37” Oeste Observatório do Rio de Janeiro)
Rio Alto-Purus 
Margem direita:
Latitude: 8°57’27” Sul/Longitude 69°07’31” Oeste de Greenwich (ou 25°57’10” Oeste Observatório do Rio de Janeiro) 
Margem esquerda:
Latitude: 8°57’25” Sul/Longitude 69°07’37” Oeste de Greenwich (ou 25°57’16” Oeste Observatório do Rio de Janeiro)
Também vos envio uma cópia do quadro das Latitudes Geográficas dos diversos pontos da linha de limites compreendida entre o marco do Madeira, 10°20’, e o do Javari 7°1’17,5” calculadas o ano passado para Longitudes de 10 em 10’, em relação ao Meridiano de Greenwich e bem assim outro das Coordenadas Geográficas de vários pontos determinados este ano pelas duas Comissões.
Está, portanto, concluída a demarcação desta zona. Cabe-me agora informar-vos, resumidamente, dos trabalhos que tivemos para chegar a essa solução de harmonia com o atual Comissário boliviano. 
Partimos de Manaus a 26 de julho em um dos vapores da Companhia do Amazonas e a 5 de agosto desembarcamos em Cachoeira, lugar de onde regressam todos os vapores do Purus na época da vazante do Rio. 
Depois de calafetadas as canoas, preparadas as toldas e de ter providenciado no sentido de apressar a partida, seguimos com destino ao Rio Aquiri (Acre) no dia 10 em dois batelões e 11 canoas rebocadas pela lancha “Pátria” da Comissão e outra contratada a Hilário Francisco Alvares, proprietário da Cachoeira. 
A Comissão boliviana que seguira de Manaus em dia anterior a 26 de julho, em um vapor especialmente contratado, também seguiu da Cachoeira dois dias antes da nossa partida, indo encontrá-la na boca do Aquiri na tarde de 21 de agosto em que chegamos 
O dia 22 foi destinado a preparativos de uma Expedição ao Alto-Purus sob a direção do Dr. Lopo Gonçalves Bastos Netto, 2° Ajudante da Comissão, com o fim de adiantar os trabalhos fazendo o levantamento desse Rio e do Iaco, até além da linha de limites.
Esse engenheiro partiu na manhã seguinte, em quatro canoas tripuladas por dezesseis Soldados e um Sargento, municiados para cinquenta dias de serviço; e na mesma ocasião fiz seguir para Antimari, no Rio Aquiri, a lancha contratada rebocando um batelão com gêneros, material e parte do pessoal e do contingente.
A 28, com o regresso dessa lancha, já tendo sido feitas observações juntamente com a Comissão boliviana, partimos para aquela localidade, chegando a 29 e continuando a viagem em canoas até Caquetá, onde desembarcamos a 5 de setembro.
No dia 8, a Comissão Mista acordando nas observações desse ponto, fácil lhe foi determinar a posição dos dois Marcos, 300 metros acima do Barracão desse lugar, que assinalam a intersecção da linha de limites com o referido Rio.
E assim aceita a posição desses pontos que o ano passado dera causa a divergência com o Coronel Pando, como informei ao vosso antecessor em ofícios n° 19 de 9 de outubro, 21 e 22 de 4 e 8 de novembro, remetendo toda a correspondência com ele trocada, foram levantados os Marcos, sendo no dia 14 lavrada a Ata da 3° conferência, regressando no mesmo dia a Comissão para a Boca do Aquiri, onde de novo chegou na tarde de 17. 
Recorrido o calafeto das canoas e reparadas as toldas partimos a 26 para o Alto-Purus.
Depois de inúmeros sacrifícios durante a viagem, sendo preciso arrastar as canoas por sobre bancos de areia em trechos do Rio atravancados de paus, permanecendo as praças durante o dia dentro d’água, pudemos chegar a Boca do Iaco a 9 de outubro. 
Na véspera encontramos o Dr. Lopo Netto de volta do seu trabalho de levantamento dos Rios Iaco até a Latitude graficamente estimada de 9°19’0” Sul e Longitude 68°40’30” Oeste de Greenwich, e Alto-Purus até 9°9’55” Sul e Longitude 69°27’57” Oeste de Greenwich, de acordo com as Instruções que lhe dera para explorá-los além da linha de limites calculada. 
Feitas as observações na Foz do Iaco partimos para o Alto-Purus a 15 e chegamos ao Barracão de Barcelona no dia 26. Reconhecido que o ponto da linha de fronteira passava abaixo desse Barracão descemos para a Boca do Igarapé Jacurarú que assinalamos.
Continuando a viagem a 27 chegamos de novo a Foz do Iaco no dia 30. No mesmo dia subimos este Rio até ao Barracão Santa-Fé, na Foz do Rio Caieté, afluente da margem esquerda do Iaco onde se fez observações, reconhecendo-se que os pontos da linha iam pouco acima deste lugar.
Assinalados os pontos regressamos para a Foz do Iaco a 1° de novembro, e no mesmo dia continuamos a viagem para a Boca do Acre, uma vez que estavam terminados os trabalhos por parte da Comissão Brasileira.
No dia 3, às 13h45, encontramos o vapor Sabiá que levava a seu bordo a Comissão boliviana demorada no Acre desde 17 de setembro por falta de água.
Tendo-se acabado os víveres e tornando-se materialmente impossível o nosso regresso em canoas e acompanhar o referido vapor, foi-me oferecida hospedagem pelo Comissário boliviano; em vista do que fiz descer as canoas para a Boca do Acre com o pessoal disponível e doente, regressando eu com aquele Comissário e os demais companheiros até aos lugares por nós já determinados, os quais depois de examinados e verificadas as observações pela Comissão Boliviana foram definitivamente aceitos, assinalados os Marcos e lavradas as respectivas Atas nos dias 6 e 11 do mesmo mês nos dois citados Rios.
Em seguida regressamos para o Acre onde me demorei dois dias para o levantamento da planta de um local apropriado a ser de futuro fortificado e ao estabelecimento de uma colônia em defesa dos dois Rios que lhe ficam em frente.
A Comissão Boliviana prosseguiu sua viagem para Manaus no dia 14; e a 16, estando feito o serviço de levantamento desci com a Comissão em batelão e canoas, encarregando-se o Dr. Lopo Netto do levantamento do Purus até “Cachoeira”, onde desembarcamos na tarde de 21.
Estando impossibilitada de navegar a lancha até esta Capital, resolvi aguardar a chegada de algum vapor que nos trouxesse com o pessoal e material, o que só se efetuou na tarde de 21 de dezembro fundeando a 31 neste Porto.
De Cachoeira a Manaus o levantamento foi feito alternadamente por mim e pelo Dr. Lopo Netto durante 10 dias e 10 noites de viagem, ficando assim ligado todo o Rio Purus ao Solimões e a esta Capital.
Logo que sejam construídos os trabalhos vo-los remeterei. 
O estado sanitário da Comissão não obstante o grande número de doentes e de dois falecimentos, como vereis do quadro nosológico junto, foi melhor este ano do que o passado em que perdemos o encarregado do material e fornecimento, três praças e dois marinheiros, tendo ficado doentes os membros da Comissão, empregados, praças do contingente e o pessoal do aviso Tefé. 
Deve a Comissão continuar seus trabalhos de demarcação pelo Rio Juruá. Em vista, porém, de considerações sugeridas pelo Comissário boliviano, cuja continuação como Comissário depende ainda de novo contrato a realizar com o Governo boliviano, por ter terminado a 31 do mês passado o que tinha, propôs-me apresentarmos aos nossos governos a ideia de partirem juntas as duas Comissões em outubro, em vapor especial, de pequeno calado, correndo as despesas por conta dos dois governos; ou cada uma em vapor expressamente construído para esses Rios e tais serviços. 
Para isso escreveu-me a carta cuja cópia vos envio em que trata da época da partida da Comissão e de ser mudada a sede para o Pará; respondendo-lhe eu com outra, cuja cópia também passo às vossas mãos.
Diante das inúmeras dificuldades que temos experimentado e conheceis, de uma longa viagem em canoas, dos imensos sacrifícios feitos com prejuízo da saúde do pessoal que tem tido ocasião de sofrer fome por impossibilidade de conduzir em canoas, gêneros bastantes para fornecimento a longo prazo em época de Rio baixo; acho procedente o que pensa o Comissário boliviano de andarem as duas Comissões em dois vapores especiais de aço, fundo chato, pequeno calado, de rodas independentes à popa, que subam em toda época do ano os Rios a explorar; ou então em um só vapor de maiores dimensões para acomodar as duas Comissões e cujo preço, pensa M. Satchel não exceder de £ 6.000 nesta hipótese ou £ 4.000 na outra, armado no Pará; sem ser preciso, portanto, conduzir tão grande número de canoas e batelões e grande contingente para remar essas canoas, acarretando perdas de vida, pela natureza selvagem do trabalho, demora no serviço e prejuízos ao tesouro pelo estrago que sofrem os gêneros por tantos meses empilhados em embarcações pequenas sujeitos a aguaceiros prolongados. 
Na hipótese da continuação dos trabalhos em vapores especiais a demarcação poderá ficar concluída em um ano, acrescendo que com a economia de tempo, pessoal e víveres será menos dispendiosa e no fim dos trabalhos o vapor poderá ser vendido em hasta (leilão) pública e dar o mesmo valor do seu primitivo preço ou maior do seu custo, depois de haver prestado os serviços que dele se necessita. 
Ou sigam as Comissões em vapores especiais ou façam-se os trabalhos como até hoje o tem sido em canoas, depende de resolução dos dois governos à época da partida das duas Comissões para que em tempo oportuno possa achar-se em Manaus a Comissão boliviana. 
Até essa época penso que fareis não pequena economia se dispensardes o pessoal da Comissão conservando apenas o Dr. Lopo Netto para tomar conta dos instrumentos e construir os levantamentos e plantas parciais, ficando o material conservado no depósito por praças do contingente sob a fiscalização do mesmo engenheiro. 
Em 7 meses de permanência aqui, sem serviço a não ser o de escritório para ocupar o pessoal existente, à espera da época de pros­seguir a demarcação, a economia resultante dessa dispensa é maior que a despesa de ajudas de custa que couberem aos novos membros nomeados. 
No número dos dispensados peço que me incluais, atento ao meu estado de saúde, que não me permite continuar a prestar serviços em Comissão tão árdua e perigosa como esta. 
Assim, pois, em 7 meses a economia das gratificações com o 1° e 2° comissários, médico e empregados do fornecimento, atinge a 62:300$, e mesmo que a Comissão só se demore nesta cidade quatro meses, ainda assim é de 35:600$, quantia superior às ajudas de custo que deverão receber outros nomeados, com a vantagem de vir pessoal não minado pelo impaludismo como o atual. 
A resolução que tomardes peço que me seja comunicada por telegrama a fim de providenciar sobre a entrega do que está a meu cargo, poder seguir até essa capital e tratar-me convenientemente como aconselham meus médicos.
Saúde e fraternidade. Ao Sr. Dr. Dyonizio Evangelista de Castro Cerqueira, Ministro das Relações Exteriores - Gregório Thaumaturgo de Azevedo. 
II 
Em seguida tomei a deliberação de oficiar ao Governador do Estado pedindo cópia do despacho do Sr. Ministro, a qual sendo-me remetida oficialmente aqui transcrevo para que fique bem patente a intenção que então reconheci, desde logo, de querer o Sr. Ministro, contra a verdade dos fatos, colocar-me em uma situação difícil e mesmo desairosa para os meus créditos de cidadão, de militar e de Chefe de uma Comissão tão importante.
 
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Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia, n° 243. Manaus, 2 de janeiro de 1897. 
Senhor Governador. 
Chegando ao meu conhecimento que o Sr. Ministro das Relações Exteriores vos dirigiu um longo ofício em que trata da Comissão de Limites de que sou o 1° Comissário, e no qual me são feitas graves acusações em relação à nascente do Rio Javari, rogo-vos, em bem dos interesses do país e do próprio Estado do Amazonas, que mandeis dar-me por cópia o mesmo ofício, letra por letra, se não contiver nenhuma forma reservada.
Gregório Thaumaturgo de Azevedo, Coronel Chefe da Comissão.
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2° Seção. Número 5. Diretoria Geral 5531. Expediente. Rio de Janeiro. Ministério das Relações Exteriores, 14 de outubro de 1896. 
Senhor Governador. Recebi a 16 do mês próximo passado, por via do Pará, o vosso telegrama de 11, assim concebido:
Consta este Governo que por más observações antigos exploradores Estado fica lesado grande parte seu território. Peço digneis informar que há a respeito.
Respondi a 21: “Tem-se dito esse Estado perde cinco mil setecentas oitenta léguas quadradas. Inexato. Explicarei por escrito”. 
Em telegrama do princípio do corrente, recebido a seis relativo principalmente aos limites com a Guiana Inglesa vos referis ao assunto do primeiro. O Dr. Thaumaturgo de Azevedo, disse em ofício de vinte e dois de junho (julho) do ano próximo passado que por informações reiteradas que havia colhido podia garantir que a nascente principal do Javari se acha muito acima do Marco colocado aos 7°1’17,5”, Latitude Sul, e, calculando a área perdida por esse Estado asseverou que é maior de cinco mil oitocentos e setenta léguas quadradas. No telegrama eu disse por engano cinco mil setecentos e oitenta. Essa foi a origem da notícia que aqui circulou, e a qual, provavelmente, vos referistes no primeiro telegrama. 
Algum tempo depois de se receber o citado ofício, vindo o Coronel Thaumaturgo de Azevedo a esta capital perguntou-lhe o Diretor Geral da Secretaria quais eram as reiteradas informações em que se fundara para garantir o que acima vos referi e ele lhe entregou uma carta de pessoa de sua amizade acompanhada de um esboço do Rio Javari em que se lêem algumas observações. Um rápido exame desse esboço bastou para mostrar que não podia haver hesitação em rejeitá-lo. Ali escreveu o autor o seguinte, falando dos afluentes do Javari: “Terceiro afluente, Jaquirana. Fica distante de Curuçá 750 milhas, mais ou menos, à lancha. O Marco Barão de Tefé foi colocado na forquilha que abre com o Galvez, sendo este a continuação do Javari. Para chegar a sua nascente, caminha-se em lancha no tempo da cheia, cinco dias, sendo bem remado. Habitado até as suas nascentes”. O Jaquirana não é afluente do Javari, é continuação dele como ficou assentado entre os governos do Brasil e do Peru. O Galvez que o informante considera como continuação do Javari e pelo qual leva consequentemente a Linha Divisória e afluente e pertencente ao Peru. O Marco não foi posto na forquilha, isto é, no ponto em que o Galvez deságua no Javari, foi muito acima. O ponto de bifurcação está na Latitude de 5°10’18” Sul e o Marco, ou antes a nascente, está na Latitude de 7°1’17,5” ou quarenta léguas acima. 
Se o informante leva a fronteira pelo álveo (talvegue, leito da corrente) do Galvez, como pode saber que a nascente do Jaquirana ou Javari, não está na Latitude achada pela Comissão Mista que concluiu a demarcação dos limites com o Peru? Por outro lado não é de admirar que isso diga quando assevera que o Marco foi posto na forquilha? Apesar de serem as informações evidentemente inexatas o Sr. Coronel Thaumaturgo de Azevedo acolheu-as como dignas de fé e infelizmente, pela revelação de amigos, com quem se abriu deu-lhes publicidade agravando-as com um cálculo que eleva a pretendida perda de território desse Estado a um algarismo assustador. Como chegou ele a esse triste resultado? Tirou do marco uma perpendicular sobre o Paralelo de dez graus e vinte minutos e fechou um triângulo com esse Paralelo e a linha geodésica que parte do Madeira. A área desse triangulo é que foi avaliada em mais de cinco mil oitocentas e setenta léguas quadradas. 
A perda sofrida pelo Estado do Amazonas, se perda há, só poderia ser calculada sabendo-se com exatidão a verdadeira posição da nascente. Ora, o Sr. Coronel adotou arbitrariamente o referido Paralelo, devendo saber que ainda na opinião dos que nenhuma observação fizeram ali não chega à nascente. O Almirante Costa Azevedo supõe que estará entre o sétimo grau e o oitavo. Pode ser que tenha havido algum engano, não na Latitude em que se pôs o marco, na apreciação da distância em que dele fica a nascente mas o engano ainda não provado que poderá ser para mais ou menos, não poderá ser grande. Na carta do Javari, levantada pela última Comissão Mista, na parte por ela explorada, lê-se a seguinte nota: “Impossível seguir avante nas chalanas. Fizemos uma excursão por terra, regressando a noite, depois de uma escaramuça com os selvagens que nos saíram ao encontro, mas fugiram a primeira descarga”. 
Como se vê, a Comissão subiu até onde lhe foi possível e fez reconhecimento por terra. A circunstância de não poderem as chalanas subir além do ponto em que se pôs o Marco faz crer que a nascente não pode estar longe. Se estivessem, e muito como se diz, haveria água bastante, porque no seu curso até o Marco, o Rio receberia afluentes ainda de pouco volume. Finalmente, os que dizem que a nascente esta muito acima da Latitude achada ignoram qual seja a verdadeira, porque a não observaram. 
A Comissão Mista que se compunha de profissionais responsáveis não se guiou por boatos e o seu trabalho merece fé enquanto se não provar que ela se enganou. O Governo sabe o que é de sua competência e não se descuida do que tem de fazer a esse respeito.
Saúde e fraternidade. — Dyonizio Evangelista e Castro Cerqueira. Ao Sr. Governador do Estado do Amazonas. Conferida. — Francisco Castro. Conforme — R. Vasconcellos. 



Fonte: 
AZEVEDO, Gregório Thaumaturgo. Limites Entre o Brasil e a Bolívia – Brasil – Rio de Janeiro – Oficinas Gráficas da D.S.G., 1953.
AZEVEDO, Gregório Thaumaturgo. O Acre: Limites com a Bolívia – Brasil – Rio de Janeiro – Typ. do “Jornal do Commercio” de Rodrigues & Comp., 1901.

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