quinta-feira, 28 de agosto de 2008
MEMÓRIA E IDENTIDADE
Por Fátima Almeida - historiadora acreana
Fonte: http://altino.blogspot.com/2007_08_01_archive.html
A memória e a identidade são dois conceitos que se constroem mutuamente, de modo que a eliminação de um é a eliminação de outro. Na primeira gestão de Gregório Filho como presidente da Fundação Cultural do Estado, o antigo prédio da Radional foi reformado e adaptado para instalação de um Museu do Seringueiro.
Estudantes e turistas podiam adentrar no recinto a qualquer hora e se deparar com uma casa de seringueiro feita de paxiúba com todos os apetrechos da lida diária de um seringueiro, afora exposições, ambiente para projeção de vídeo, relacionados à temática.No anexo, uma exposição permanente de Hélio Melo, artista plástico acreano que mais se aproximou de uma arte autenticamente amazônica, desde a temática, desenho e iluminação, afora o fato inconteste de ser uma arte vinda de baixo, uma arte de resistência, portanto. Além disso, Gregório Filho criou um programa de pesquisa sobre a cultura dos seringais, aberto a todos interessados, contratando inclusive, orientadores.
Na gestão “democrática” do PT, o espaço foi reformado e transformado em Museu dos Autonomistas, com muito requinte, diga-se de passagem. O movimento autonomista tem vários significados, conforme o olhar do historiador. A meu ver foi uma luta das oligarquias locais pela elevação do Território Federal do Acre à condição de mais um Estado patrimonialista.Hoje, naquele espaço, podemos ver uma galeria de fotografias de todos os governadores. Qual a memória que se quer perpetuar e acondicionar às novas gerações? A dos Chefes de Estado, claro.
A memória dos trabalhadores, bem como suas formas de resistência, desapareceram do cenário. Hoje temos populações desenraizadas e o vazio deixado pelas lideranças dos movimentos sociais, cooptadas, está sendo preenchido por promessas enganosas de todas as vertentes do oportunismo.Esse é o modo como os governos, no Brasil, eliminam as possibilidades das classes populares sentirem-se parte da história, serem excluídas da participação nas decisões. E, desse modo, os governantes ficam à vontade para moldar a cidade conforme os interesses das empreiteiras, construtoras e concessionárias de carros.
O povo não se sente parte do processo e por isso ocorrem as depredações, as queimadas, a violência de que temos notícia, a toda hora.No Brasil, os projetos de urbanização e modernização, desde o início da República, têm por padrão a eliminação das classes pobres do centro da cidade. Os centros são espaços nobres, para as classes médias, turistas e ricos. Os pobres devem ser varridos para a periferia e desse modo excluídos também do exercício da cidadania, dos espaços decisórios. E assim os problemas sociais são varridos para debaixo do tapete.
O espaço urbano é sempre ocupado de acordo com os interesses das construtoras, da especulação imobiliária, das empresas de transportes, que são aqueles que decidem. E, que desenfreados, elevam os preços de compra, aluguéis e transporte de forma insuportável para as classes baixas, afora os danos ambientais, tais como eliminação de áreas verdes urbanas e excessiva pressão sobre os esgotos que vão dar no rio Acre. Quanto a isso, aos danos, todos nós pagamos a conta, inclusive os que ainda nem nasceram.Não existe, portanto, arte pela arte. Nem mesmo a ciência pode ser neutra. Não pode haver beleza na mentira, no engôdo, na omissão, apenas desgosto. A estética e a ética estão também uma para a outra. Não é por isso que Abaporu é a obra das obras do modernismo brasileiro?
A gestão dos órgãos de cultura não pode fugir às determinações históricas. Ou é comprometida com a memória e a identidade das classes baixas, ou é passiva e conivente com os interesses dos tubarões, que controlam os governos em todo o mundo.Para a classe artística o problema está colocado nesses termos: ser ou não ser Estado. Recomendo o historiador Sidney Challoub que aprofunda essa discussão a partir de seu trabalho sobre demolição dos cortiços no Rio de Janeiro, quando teve início a era das favelas naquela cidade, e também o filme sobre Milton Santos, grande alma, geógrafo baiano, marxista, que ganhou o prêmio Júri Popular no último Festival de Cinema de Brasília, com narração de Fernanda Montenegro.
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