
Dalmir Ferreira, historiador e membro da Academia Acreana de Letras.
A persistência inabalável de nossos políticos nesse afinado discurso em torno da construção de um mito fundador atinge neste governo, as raias da mais completa insanidade e desobservância aos preceitos do que pode representar a palavra história para os povos civilizados. Isso porquê, enquanto a um médico é perdoável o conhecimento pouco aprofundado de história, a um licenciado em História é injustificável, mesmo com curso feito no Acre.
Sabemos que esse repetido discurso de pseudo-herói só se sustenta em função de servir ao sistema vigente, que se fortalece quanto mais esse pseudo-herói se reafirma como tal. Sendo preciso então, fazer dele um super-herói, para garantir a estabilidade desse sistema que tem a todos como fracos e quanto mais fracos os homens dessa sociedade, mais super-heróis eles precisam para se manter fracos, como afirmou Flávio Kothe.
É, portanto, nessa repetição confusa que o acreano, como diria Márcio de Souza, não recebe o mínimo necessário para se situar no tempo ou para buscar compreender as contradições do presente, numa realidade oficialesca de uma história vazia e sem brilho, onde o povo não aparece e os heróis são vermes dourados, utilizados segundo interesses e circunstâncias que investe fortemente num discurso claramente silenciador: o poder se coloca na ribalta junto a seus heróis, sob as ofuscantes luzes de seus spots, enquanto faz descer forte penumbra aos que não considera dignos de constar em sua nova história do Acre, fechando museus, contratando “historiadores” estrangeiros para nos contar nossa historia, enfim investindo alto em assegurar uma história que sirva para a manutenção de seus intentos.
Concomitantemente a isso, com a imprensa a seu serviço, investe imoralmente e com alarde, no auto-elogio de si e dos seus, de feitos e eventos, e não permite críticas. E na criação de seus pequenos heróis-vivos, impostos autoritariamente, seja dando nome a instituições, seja silenciando sobre aqueles de méritos inquestionáveis, tidos como críticos “revoltados”.
Nos festejos ditos “centenários” de nosso estado, dos quais o poder lança mão para consolidar seu mito fundador, são perceptíveis os efeitos descritos por Marilena Chauí, em sua obra Brasil, mito fundador e sociedade autoritária, obra através da qual, se pode constatar a sobrevivência cristalina do mais puro e caduco populismo entre nós. Nesse contexto a contradição de um pungente “Povo da Floresta” que se apaga pela necessidade de um herói libertador, que não permite nem reconhece qualquer visibilidade e conhecimento efetivo de outros “heróis” é quando nada bastante contraditório.
Sabemos que o povo acreano, único do qual efetivamente prescinde a “Revolução Acreana”, aquele que está na raiz de nossa formação histórica, jamais dependeu de lideres, ou seja lá do que fosse, embora esses lideres circunstancialmente tenham desfilado em profusão, conforme as necessidades foram se estabelecendo.
Quem duvidar disso, recue até “Canudos” e responda se houve gente mais valente nesse Brasil do que o sertanejo daquele tempo, que por sinal é o mesmo que estava aqui quando da “Revolução Acreana” ou mais tarde quando do episódio do cangaço. A fama de valente do gaúcho tem pouco lastro quando a comparamos a do sertanejo, cuja história parece sim, ser mais épica, é só estudar, é só ler, para ver.
Enfim, não sendo bastante que nossa história seja conhecida pelas novas gerações apenas através de literatura como sátiras, ou novelas de ficção ou de até de uma educação pouco eficaz, será que já não era hora de deixarmos de lado essa conversa fiada de herói e efetivamente tornar nossa história conhecida através de pesquisas e trabalhos críticos, com museus e institutos, com trabalhos efetivamente sérios e de gente com competência para isso? Enfim, porque não fazermos a coisa certa? Ou será que estamos todos cegos?
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